Ano VII

Anna Karênina

sábado abr 6, 2013

 

Anna Karênina (2012), de Joe Wright

Quando François Truffaut perguntou a Hitchcock por que não adaptava um livro como Crime e Castigo de Dostoiévski, visto que muitos dos temas do diretor britânico, depois radicado nos EUA, eram os temas do livro, Hitchcock respondeu que o livro já era uma obra perfeita, fora isso que para tentar filmá-lo precisaria fazer um filme de 6 a 8 horas, o que não faria sentido.

A resposta poderia, é verdade, se aplicar a adaptação de qualquer grande clássico da literatura para o cinema e, de fato, foram poucos, muito poucos, os clássicos da literatura que mantiveram sua excelência quando transpostos para a tela com a reconfiguração de significados dado por um novo significante, no caso, o fílmico, e não mais o literário. Nesse sentido, fazer um bom filme de uma obra consagrada é algo excepcional.

Joe Wright que já havia adaptado para o cinema livros como Desejo e Reparação e Orgulho e Preconceito sem lá muito sucesso, apresenta agora seu projeto mais grandioso, a versão cinematográfica de Anna Karênina, uma das principais obras de Tolstói junto com Guerra e Paz.

O livro nas suas mais de 800 páginas – segundo a última versão publicada pela Cosac -, famoso pelo incipit, “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, é uma daquelas obras, pela extensão e qualidade, cuja adaptação ao cinema remete de imediato à resposta de Hitchcock a Truffaut. Ou seja, adaptá-la é desde sempre uma impossibilidade e quando uso o termo impossibilidade não penso em fidelidade, algo fora de questão se lembrarmos, como bem apontou Jean Mitry, que significantes diferentes, literatura e cinema, jamais poderão apresentar os mesmo significados.

Assumida a impossibilidade, resta, portanto, buscar entender que filme é o Anna Karênina de Joe Wright. Como e se a adaptação se sustenta enquanto obra cinematográfica e se ela, ainda que “infiel”, consegue se equiparar minimamente com a grandeza da obra literária.

Esquecendo Tolstói, o que salta aos olhos no filme de Wright é a caprichada direção de arte, seja quando se aproxima do cinema artificial de Baz Luhrmann, Moulin Rouge, ainda que não tão exagerada e kitsch como este, seja quando remete ao barroquismo à Luiz Fernando Carvalho, Capitu, ainda que não tão articulada em função do texto como ocorre com o brasileiro.  O uso do teatro, de tableaux, de figuras de cera e de personagens paralisados que se desdobram no plano como em um livro de dobradura para mostrar a relação destes e de seus dramas familiares com a sociedade russa da época são achados visuais, mas o grande problema do filme é que para dar conta de toda a fábula do livro ele acaba se tornando um grande trailer de duas horas carregado de firulas visuais, como as transições de cena por novos cenários que se abrem a partir de uma janela, porta ou da coxia do teatro promovendo uma sequencialidade temporal que só acentua esse caráter célere ao extremo do filme.

Tal fluxo, não permite nenhuma possibilidade de inserção do espectador nas dores dos personagens, de apreensão de seus estados de alma, e Anna Karenina filme consegue, numa comparação com o livro – não cobro, como já disse, fidelidade -, ser justamente o seu oposto, tira toda a densidade da obra de Tolstói, toda a alma, todas as grandes interrogações, e mergulha os personagens, mesmo os mais feios, sofridos e infelizes, no vazio estéril de belas imagens que mais lembram comerciais de perfume.

É, de certa forma, um belo exemplo da arte em dois tempos distintos: a profundidade e imersão do e no tempo do romance, a experiência duradoura e perene do livro; e o artificialismo das imagens que somem da rotina tão logo o filme termina e você liga o seu celular para ver se alguém te ligou.

Cesar Zamberlan

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