Ano VII

O Voo

quinta-feira fev 21, 2013

O Voo (Flight, 2012), de Robert Zemeckis

Alguém disse na internet, de modo pejorativo, que Zemeckis filma como se ainda estivesse nos anos 1990. Bom, é exatamente por isso que gosto de O Voo, o novo veículo para Denzel Washington, que serve também para que Zemeckis saia do registro infanto juvenil no qual ultimamente se deu mal. É o melhor filme de Zemeckis desde Contato, de 1997. O comportamento da câmera almeja a boa visualização da ação e do drama. Vemos bem o acidente, as aeromoças batendo nas paredes do avião, a criança que cai da poltrona, da mesma forma que acompanhamos os diálogos sem que a câmera pareça estar num barco à deriva. Então, viva a maneira de se filmar de outrora, sem as afetações de hoje (é o oposto, por exemplo, do insuportável Os Miseráveis, cujo comportamento da câmera é nefasto).

É verdade que o final "educação moral e cívica" incomoda um pouco, mas é algo que Hollywood nunca teve muito pudor de explorar (a não ser que pensemos em um gênio como Otto Preminger, que mostra uma pessoa viciada em heroína no excelente O Homem Com o Braço de Ouro, não um garoto propaganda antidrogas). Zemeckis não é como Preminger, poucos o são. Também não se pode compará-lo a Blake Edwards, diretor de um dos melhores dramas sobre o alcoolismo (Vício Maldito). Mas vez por outra mostra-se um bom artesão.

Algumas sequências de O Voo são fortes o suficiente para que o desfecho não bote tudo a perder. Todas as cenas dentro do avião, por exemplo, são primorosas, tanto na encenação dos incidentes (o mau tempo no início do voo, a pane ocorrida durante o processo de descida, o malabarismo de Washington para tomar uns birinaitis sem que ninguém perceba), quanto na relação entre as aeromoças e os passageiros e pilotos. A sequência na escada de emergência do hospital é sensacional. Um romance claramente vai nascer dali, abençoado por um doente que parece estar desenganado com o forte tratamento ao qual está submetido. Além dessas duas sequências, há ainda a aparição do quebra-galhos e traficante interpretado por John Goodman, um papel que tem certo parentesco com o bonachão que o ator interpretou em O Grande Lebowski. Não me surpreenderia se ouvisse de sua boca, em sua primeira aparição, uma paráfrase do que diz Harvey Keitel em Pulp Fiction: "Meu nome é Harling Mays, e eu resolvo problemas".

Sérgio Alpendre

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