Ano VII

Lincoln

quinta-feira fev 14, 2013

Lincoln (2012), de Steven Spielberg

Apesar de seu eterno desejo em ser visto como um cineasta “sério”, certamente não é na abordagem de temas históricos ou mais complexos que se encontra o melhor da obra de Steven Spielberg. A ausência de elementos escapistas ou da figura infantil traz alguma espécie de vazio aos filmes onde ela se verifica. E certo que há exceções, como o ótimo Munique (2005), trabalho de intensa maturidade na exploração de sombrias facetas do terrorismo de estado. Por outro lado, a presença dos referidos elementos não é por si garantia de êxito, como pudemos conferir recentemente em Cavalo de Guerra (2011), que, apesar uma flagrante inspiração fordiana, sucumbe ao excesso de pieguice, também recorrente em sua carreira.

Daí que, apesar da exposição e do prestígio concedido a Lincoln por parcela da crítica e pelos eleitores de premiações em seu país, para muitos que acompanham de forma reflexiva a carreira de Spielberg, as expectativas não seriam lá muito estimulantes. Estas seriam em ter pela frente um filme formal e politicamente conservador. Não certamente no sentido de exaltar valores retrógrados norte-americanos, mas sim em ressaltar uma imagem heroica de um presidente idolatrado em seu país, em um momento chave de seu conturbado governo. A maioria dessas expectativas acaba por se confirmar, mas apesar disso, Spielberg consegue banhar em interesse aquilo que poderia ser uma mera aula de história que se refletiria a um contexto político contemporâneo (o momento atravessado pelo governo Obama). O filme não deixa de ser isso mesmo, mas tudo é feito com bastante competência e alguns resquícios de talento.

Não há como negar que Spielberg sabe filmar muito bem, virtuoso na câmera como muitos em sua geração. Em Lincoln ele procura domar um pouco esse virtuosismo, em favor de um certo respeito histórico, o que realmente funciona a favor do conjunto. E como se Spielberg aqui sepultasse as ambições fordianas de seu filme anterior e se contentasse em ser um mero artesão como tantos outros no cinema americano. Lincoln acaba por ser bem isso: cinema de artesanato competente, sem que haja demérito ao fato. O cineasta se utiliza das armas usuais do cinema clássico narrativo para, sem muito brilho, reforçar uma visão que não impõe um teor de revisionismo àquilo que a historiografia e a cinematografia oficiais perpetuaram ao longo do tempo sobre o personagem e seu tempo.

Num momento no qual os diretores parecem ter perdido o poder de síntese e concisão, tamanha a abundância de lançamentos com duração próxima às 2h e meia, Lincoln encontra-se entre aqueles que melhor trabalha a seu favor essa metragem excessiva. Não que o filme seja de todo redondo. Por certo há gorduras, mas a competência de Spielberg e seu montador Michael Kahn consegue torná-las menos perceptíveis. O roteiro de Tony Kushner dosa tensão, conflitos individuais e humor, contextualizando o momento político mesmo sem abandonar uma visão “chapa branca” daquele que a história oficial dos EUA considera o “maior dos presidentes”. As boas atuações do elenco também reforçam a coerência do conjunto, pois se Daniel Day Lewis tem uma composição maneirista e marcada, como era de se esperar dentro do que o filme se propõe, Sally Field e Tommy Lee Jones brilham, reforçando respectivamente as emoções e o cinismo de seus personagens, com um elenco de apoio homogêneo.

Em suma, apesar das limitações inerentes a sua proposta e da ausência de um maior vigor criativo ou autoral, Lincoln consegue ser um espetáculo cinematográfico quase sempre interessante. E filme a ser visto, sem dúvida. Pode não atingir, na carreira de Spielberg, o impacto do já citado Munique. Mas fica distante, entretanto, da mediocridade de um Amistad (1997).

Gilberto Silva Jr.

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