Ano VII

Filme de Amor

terça-feira dez 18, 2012

Filme de Amor (2003), de Júlio Bressane

Ode ao hedonismo, Filme de Amor dá sequência à ideia de filme que se completa na mente do espectador, ideia perseguida por Bressane desde o início de sua carreira. É comum nos filmes do diretor o descortinamento do aparato técnico e a sucessão de planos crus, propositadamente repetitivos, que carecem de edição. É algo que vemos aqui, nesse encontro de um homem com duas mulheres em que eles se entregam aos prazeres carnais num quarto de um prédio antigo. São trabalhadores do cotidiano. Daqueles que vivem para ganhar o dinheiro sofrido no fim do mês. Um cabeleireiro, uma manicure e uma ascensorista que resolvem passar um fim de semana nas nuvens do desejo carnal.

Bressane se inspirou livremente no mito das Três Graças – o amor, a beleza e o prazer – segundo leitura do crítico de arte alemão Aby Warburg sobre sua representação nas artes plásticas. Com a ajuda do diretor de fotografia Walter Carvalho (na primeira de três parcerias entre os dois), inspirou-se também nos quadros eróticos de Balthus para compor um de seus filmes mais fortes plasticamente.

Que importa se mal ouvimos os diálogos no começo, se mal sabemos quem são essas pessoas e apenas podemos intuir de onde elas vêm (até o final que revela suas profissões)? Não é esse tipo de construção que interessa a Bressane. O que interessa é a representação de corpos se unindo pelo desejo, a relação desses corpos com o espaço (daí os enquadramentos – e o ritmo – oliveirianos), as diferentes distâncias e angulações que vemos nas cenas, e as reações às palavras do outro. Mise en scène verdadeiramente experimental, em que os experimentos mal sucedidos também são vistos por nós.

A alternância cromática se justifica da mesma maneira. Experiência com cores, texturas, sombras, iluminações. Ver como a luz incide no preto e branco e nas cores. A alternância é mais um elemento desnorteador necessário à exploração estética de Bressane.

O erotismo não é novidade em sua carreira. Comparadas às imagens safadas de Tabu, obra-prima de 1982, as de Filme de Amor são até comportadas. Há um membro ereto (claramente fake) ejaculando, duas inserções de cenas antigas de sexo explícito (algo que existe também em Tabu), um plano fixo de uma genitália feminina e algumas cenas mais tórridas de sexo simulado entre os três atores. Mesmo assim, o filme conseguiu chocar alguns incautos na época de seu lançamento comercial. Bressane choca a caretice dominante mesmo quando é mais cauteloso.

Sérgio Alpendre

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br