Ano VII

A maior contemporaneidade e uma maior simbiose entre cinema e literatura neste período

terça-feira dez 18, 2012

A maior contemporaneidade e uma maior simbiose entre cinema e literatura neste período

a) Relação de contemporaneidade entre livros e filmes

Um fato novo quando se pensa nas relações entre cinema e literatura no Brasil nestes últimos 20 anos é a relação de maior contemporaneidade que existe entre os filmes e os livros adaptados quando do seu lançamento, ainda que, obviamente, textos mais antigos ou clássicos também tenham sido adaptados.

Se no início do século XX, início da produção cinematográfica brasileira, Vittorio Capellaro e depois Lulu de Barros adaptavam os livros do romantismo do XIX; se no cinema novo uma boa fonte literária eram os livros do modernismo, sobretudo, da fase regional, feitos em média 30 a 40 anos antes; se na época da Embrafilme, livros de Nelson Rodrigues, entre outros adaptados, mantinham também uma menor, mas ainda relativa defasagem temporal entre o lançamento do livro e filme; nos últimos 20 anos, muitos cineastas têm adaptado, sobretudo, filmes lançados há pouquíssimo tempo, e estabelecendo, em muitos casos, uma parceria criativa com os escritores adaptados, caso, por exemplo, das famosas parcerias entre Beto Brant e Marçal Aquino em vários filmes e a de Luiz Fernando Carvalho com Raduan Nassar em Lavoura Arcaica.

Antes de problematizar a questão, vejamos alguns dados que mostram que essa relação, ampliada nas duas últimas décadas, deve ser a tônica das décadas seguintes:

Raduan Nassar também teve além de Lavoura também o seu outro romance, Um Copo de Cólera, levado às telas por Aluízio Abranches em 1999.

Chico Buarque teve Estorvo adaptado por Ruy Guerra em 2000, Benjamin adaptado por Monique Gardenberg em 2003, Budapeste por Walter Carvalho em 2009 e teve os direitos de adaptação de sua obra musical para o cinema adquiridos pela RT Features do produtor Rodrigo Teixeira, que já fez a minissérie para a TV “Amor em 4 atos” e o filme Abismo Prateado (2012), dirigido por Karim Ainouz.

Marçal Aquino teve neste período cinco textos adaptados por Beto Brant, os filmes: Os Matadores (1997), Ação entre Amigos (1998), O Invasor (2002), O Amor Segundo B. Schianberg (2010) e Eu Receberia as Piores Notícias dos seus Lindos Lábios (2011). Marçal roteirizou anda as adaptações de Crime Delicado (2005) que Brant fez a partir do romance de Sérgio Sant`Anna e a adaptação de Cão Sem Dono, baseado no livro de Daniel Galera (2007).

O escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli depois de ter feito desenhos para Nina, teve o seu O Cheiro do Ralo (2006) adaptado pelo próprio Heitor Dhallia, com roteiro assinado por Marçal Aquino, Natimorto (2009) adaptado por Paulo Machline e terá mais dois livros chegando ao cinema: A Arte de causar efeito sem causa adaptado por Marco Dutra e Miguel e os Demônios pelas mãos de Tadeu Jungle.

Um dado curioso é que se Marçal acabou tornando-se roteirista, além de escritor, Lourenço acabou iniciando uma carreira de ator. Está em O Cheiro do Ralo, Natimorto, entre outros filmes, e firmou uma relação de parceria comercial com o produtor Rodrigo Teixeira da RT Features que tem bancado o desenvolvimento dos livros do escritor com a condição de ter os direitos dos mesmos para o cinema depois.

Além da obra de Mutarelli, Rodrigo Teixeira e sua RT Features compraram os direitos de vários outros escritores contemporâneos que deverão ter suas obras chegando ao cinema em breve. Caso de Gorila dirigido por José Eduardo Belmonte é baseado num conto de Sérgio Sant`Anna que já está pronto e passou no último Festival do Rio, de O Filho Eterno e de Juliano Pavollini escritos por Cristovão Tezza, de Pornopopéia de Reinaldo Moraes, de Barba Ensopada de Sangue de Daniel Galera, de Galileia de Ronaldo Correia de Brito; além de toda a série “Amores Expressos”, produzida por Rodrigo Teixeira junto a Companhia das Letras e que já tem pelo menos dois títulos prontos para virar filme: Cordilheira, também de Daniel Galera, e Filhos da Mãe de Bernardo Carvalho.

Ainda no terreno dos filmes que serão realizados, vale a pena citar o caso do escritor Milton Hatoum, outro escritor contemporâneo que chegará às telas nos próximos com dois filmes. Relato de um Certo Oriente será adaptado por Marcelo Gomes e Órfãos do Eldorado, por Guilherme Carvalho, além de ter o seu Dois Irmãos transposto para a Tv numa minissérie a cargo de Luiz Fernando Carvalho.

b) Simbiose cada vez maior entre a narrativa verbal e a visual

Além da maior proximidade entre o lançamento de livros e filmes destes adaptados, outro dado novo, como apontou Tania Pellegrini, numa Conferência relacionando literatura, cinema e televisão, no Itaú Cultural, publicada em livro em 2003 pela Editora Senac, é uma entrelaçamento cada vez maior entre a narrativa verbal e a visual. Pellegrini pensa, entre outros, na própria prosa de Hatoum e nos livros policiais de Rubens Fonseca e de Patrícia Melo, sucesso nos anos 90 e que foram adaptados para o cinema e para a TV. Caso de Stelinha e A Grande Arte de Fonseca adaptados, respectivamente, por Miguel Faria Jr. e Walter Salles Jr nos anos 90, e Bufo & Spallanzani, em 2001, adaptado por Flávio Tambellini, com roteiro da própria Patrícia Melo. Patrícia teve participação ainda no filme de episódios Traição, no segmento “Cachorro” que adaptou um conto seu em 1998 e teve o seu grande sucesso, O Matador, transformado em O Homem do Ano pelo filho de Rubem Fonseca, José Henrique Fonseca, em 2003.

Mas a simbiose mais forte e mais bem sucedida entre literatura e cinema nesse período é a parceria entre Beto Brant e Marçal Aquino que se inicia no início dos anos 90, mas só vai ganhar corpo com a adaptação de Os Matadores em 1997. Beto Brant já afirmou em entrevistas que o texto literário e, sobretudo, o texto de Marçal Aquino foi fundamental para que ele encontrasse uma forma de narrar no cinema. Marçal, por sua vez, recorda que Brant é um cineasta literário, e que o curta de formação do cineasta na FAAP, Aurora, já tinha uma relação com a literatura, no caso uma adaptação de “O Céu em minhas mãos” do escritor argentino Mempo Giardinelli. Marçal afirmou ainda que Brant consegue ver cinema em textos que Marçal jamais imaginaria que soassem cinematográficos.

Nesse ponto, é interessante fazer um paralelo com outro cineasta com formação literária, Júlio Bressane, e que já afirmou várias vezes que quando adapta um livro busca o filme que está contido naquelas páginas. Numa entrevista à saudosa Revista Cinemais, Bresssane, por conta da adaptação de Memórias Póstumas Brás Cubas de Machado de Assis, disse que buscou atravessar o livro pela luz do cinema. Tanto ele, quanto Beto Brant, como Ruy Guerra, outro cineasta com uma filmografia recheada de adaptações, acabam, na adaptação, “transcriando”, para usar um termo de Haroldo de Campos, o texto literário em cinematográfico num jogo de equivalências bastante interessante.

Num dos programas “Jogo de Ideias”, de 2003, promovido pelo Itaú Cultural, e que teve a dupla Beto Brant e Marçal Aquino discutindo, justamente, a relação Literatura e Cinema, Marçal lembra que quando pediram a Beto Brant que contasse como era o conto “11 jantares” do livro Amor e outros objetos pontiagudos, que Beto queria levar ao cinema e que Marçal achava inadaptável, Beto narrou uma história bastante diferente daquela que Marçal tinha escrito, para a surpresa do próprio escritor que presenciou surpreso a descrição. Essa recriação do texto pelo olhar imagético do cineasta não é incomum ou mesmo privilégio de Beto Brant, Ruy Guerra numa entrevista para a revista eletrônica Cinequanon, por ocasião da preparação do filme Veneno da Madrugada, baseado no romance La Mala Hora de Gabriel Garcia Marques, fez um relato do livro que era também bastante diferente do livro que depois adaptaria. Tanto Ruy Guerra como Beto Brant, e muito provavelmente boa parte dos cineastas que têm essa relação criativa com a literatura, são leitores “diferenciados”, pois estão, de certa forma, fazendo uma conversão muito pessoal e imediata do texto em imagens, até porque têm como procedimento se afastar do livro para fazer o filme, algo diverso do que ocorreu, por exemplo, com Luiz Fernando Carvalho em Lavoura Arcaica que usou o livro como roteiro para o filme, assim como fez Coppola com o Poderoso Chefão de Mario Puzzo ou mesmo Nelson Pereira dos Santos com Vidas Secas de Graciliano Ramos.

Fechada a digressão e voltando a parceria Beto Brant e Marçal Aquino, mesmo quando Brant não adaptou um texto do escritor, caso de Crime Delicado, de 2005, adaptado da obra homônima de Sérgio Sant'Anna e de Cão Sem Dono, de 2007, baseado no livro Até o Dia em que o Cão Morreu, do mesmo ano, escrito por Daniel Galera, contou com o apoio de Marçal no roteiro, estabelecendo uma parceria criativa que une palavra e imagem numa relação forte de amizade. Mesma relação estabelecida por Luiz Fernando Carvalho e Raduan Nassar em Lavoura, a ponto de, quando indagado sobre o livro e a adaptação, Raduan ter dito que Carvalho já conhecia melhor o livro do que ele próprio autor. Generosidade respondida na mesma moeda por Carvalho que afirmou que Raduan conhecia tão bem o filme como ele diretor.

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