Ano VII

Um Céu de Estrelas

segunda-feira dez 3, 2012

Um Céu de Estrelas (1996), de Tata Amaral

1996-2012: O Gebo e a Sombra, dos prováveis filmes do ano (cuja recente exibição ainda ressoa), guarda semelhanças com o (igualmente brilhante) longa de estréia de Tata Amaral que vão além da restrição de espaço. São filmes sobre a morte, o sacrifício. Se em Oliveira o personagem João é a "sombra" de Gebo, a provável materialização de seus desejos obscuros, em Um Céu de Estrelas Vítor é a "projeção negativa" de Dalva. Não por acaso, quando sua mãe é morta, a personagem é tomada por uma pulsão sexual que posteriormente se transformará em choque (de suor e gozo a sangue e vômito – as secreções são enfatizadas como catalisadores do estado emocional): sentimentos contrários, o natural amor pela mãe versus a visão da mesma como um peso a ser deixado para trás (Dalva partiria para viver em Miami no dia seguinte e ainda não havia-lhe comunicado).

Ou ainda, posteriormente, o desespero de Dalva para que a polícia "religue a luz": no escuro, sem a vista clara, perde-se o parâmetro, o limite entre os corpos (também explorado na belíssima sequência de sexo), onde ela termina e começa Vitor, restando então o medo de "fundir-se". Vítor é a sombra da qual Dalva quer fugir.

Chega então o ponto de ruptura entre os dois filmes: Se em "Gebo" a violência é centrípeta, resultando numa inércia de câmera e personagens numa casa que é vista como refúgio, aqui a violência é nuclear (e o desejo é de fuga, de escape), a agitação é constante e encontra respaldo na mise-en-scène. A câmera, sempre móvel, quase toca os corpos; a fisicalidade toma o lugar das palavras, a incomunicabilidade é experimentada não pela inércia (surrada pelo cinema dito "moderno"), mas por meio da ação. Sexo, violência, carinho, desconfiança, cumplicidade, indignação, resignação, amor, ódio – ao longo da projeção estamos jogados dentro deste microuniverso em ebulição, desconectado do mundo que o circunda (sentimento explicitado já no prólogo, um "elemento externo") senão pelos sons e posteriormente pela TV – que além de funcionar como janela ao "fora de campo" (bem como agente dramatizador, numa clara crítica midiática), acaba por tornar-se veículo mediador entre espectador e filme, numa genial manobra de resolução.

Um Céu de Estrelas é um dos mais belos e arrojados filmes que o cinema nacional produziu nas últimas décadas.

Leandro Schonfelder

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