Ano VII

Falsa Loura

segunda-feira dez 3, 2012

Falsa Loura (2007), de Carlos Reichenbach

Carlos Reichenbach não poderia prever que Falsa Loura seria sua obra derradeira, seu testamento prematuro. No entanto, o mundo ali compreendido é revelado como se o diretor estivesse condensando seu cinema e, assim, esse trabalho torna-se, harmoniosamente, um último hurrah à sua própria trajetória, como o fora O Signo do Caos para Rogério Sganzerla, poucos anos antes.

De sua filmografia, talvez esse seja aquele cuja clareza de intenções salte mais aos olhos, num didatismo que, a princípio, tudo revela. Suas preocupações centrais, sempre de ordem dialética (a fantasia como escape à realidade; a ascensão social em direção oposta à moral), são expostas em sons e imagens e encontra, em Silmara (Rosanne Mulholland), sua materialização: uma linda operária flertando com um universo sedutor, que somente sua aparência (seu corpo) poderá lhe proporcionar.

A seu lado, dois espelhos: um, no qual ela não quer ver-se refletida e outro, onde ela tentará impor sua imagem; respectivamente, seu pai (personagem tipicamente reichenbachiano), um incendiário saído da prisão, que faz passar-se por paisagista; e Briducha, uma colega de trabalho que a protagonista tentará converter em gata borralheira. O primeiro encontra-se, como a filha, em uma gaiola cuja chave está em suas mãos: para sair de lá, basta voltar à ativa, às atividades condenáveis que constituem sua única capacidade real. A garota, por sua vez, claramente não tem a desenvoltura de Silmara, tampouco sua sujeição ao faz-de-conta.  

E este cenário, de dissimulações e pretensões, é ideal para Reichenbach trabalhar sua constante afronta ao praticamente onipresente naturalismo pequeno de nosso cinema e televisão, explorando com deleite o que há de mais popular no entretenimento, a começar pelo elenco de apoio, composto por Léo Áquila, Suzana Alvez, Mamma Bruschetta e, sobretudo, Maurício Mattar, um ídolo pop chamado Luís Ronaldo. Outro herói para esta jovem deslumbrada é Bruno de André (Cauã Reymond), para quem ela afirma que “dava até a minha alma”, no que a amiga responde “Ah, isso eu não dava não!”.

Falsa Loura é um trágico melodrama social, uma comédia musical recheada de clichês que aponta para nosso imaginário coletivo. É esse o testamento de Reichenbach e é gratificante percebermos que seu último plano com Silmara remete àquele último fotograma de A Mulher Inseto, de Shohei Imamura, um dos filmes que modulou sua visão sobre cinema, ainda em sua juventude.

Talvez, se lembrarmos dessa obra-prima japonesa (na qual uma mulher, também uma operária com uma relação nebulosa com o pai, acaba trabalhando como prostituta), poderemos crer que o futuro de Silmara não lhe deformará a face, como ocorrera com seu genitor, um homem dilacerado: como a mulher de Imamura, é melhor imaginá-la saltando em frente, estóica, trilhando o seu caminho. Essa é, seguramente, a figura que fica de seu criador: o incansável Carlos Reichenbach.    

Bruno Cursini

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