Ano VII

Formentera

segunda-feira out 29, 2012

Formentera (2012), de Ann-Krintin Reyels

É fácil reconhecer a filiação de Formentera e, em seguida, depreciá-lo na comparação. Não me refiro ao seminal A Aventura, de Michelangelo Antonioni, com o qual este segundo filme da cineasta alemã Ann-Krintin Reyels é comumente comparado e, por vezes, interpretado como uma releitura. Antes, penso em títulos como Cenas de Um Casamento (talvez a obra máxima de Ingmar Bergman), Nós Não Envelheceremos Juntos ou, até mesmo, no recente (e ótimo) Todos os Outros, também alemão, dirigido por Maren Ade e exibido na Mostra, poucos anos atrás.

Como nestes exemplos, a câmera irá ocupar-se exclusivamente do registro algo límpido da instabilidade de um casal: no caso, Nina (Sabine Timóteo) e Benno (Thure Lindhardt), em férias na ilha mediterrânea que nomeia o filme, pela primeira vez viajando sem a pequena filha. No entanto, tais investidas surgem reducionistas, pois há, de fato, singularidades em Formentera, particularmente nos instantes que seguem a instauração da crise no relacionamento dos dois, quando Nina descobre que Benno pretende mudar-se para lá e, ao mesmo tempo, que talvez ela e o marido não dividam as mesmas expectativas com o futuro.

Nestes momentos, quando a atenção da cineasta volta-se quase com totalidade à sua personagem feminina (uma heroína fragilizada), ao contrário de quaisquer investidas psicologizantes, há uma sutil sugestão sideral, como que se esta volta ao universo no qual Benno fora criado pudesse quebrar um laço até o momento definitivo.

Para isso, Reyels insere, em sua narrativa, um casal espelho aos seus protagonistas, e será através deste contraponto que a cineasta irá melhor ilustrar a melancolia de sua personagem. Na vertigem da ocasião, que provavelmente concretizaria a dissolução do casal – no meio da festa na qual Benno flerta com uma local (a mulher deste casal análogo, que representa uma outra realidade possível) – ocorre o susto que irá suspender toda a tensão prévia: em uma competição potencializada pelo álcool, as duas mulheres jogam-se no mar e uma delas, a mística – o espírito-livre que Benno anda vislumbrando tornar-se – subitamente desaparece. Nina flutua, perdida e sem força para qualquer forma de ajuda à opositora.

Talvez a conclusão que daí surgirá – afinal, é do reaparecimento desta jovem enigmática que a resposta da possibilidade da manutenção do relacionamento do casal sairá –, cause grande desconfiança em alguns espectadores, pois não responde mais às expectativas que a sinopse sugere, com suas inevitáveis associações diretas (sua propagada e perigosa ligação com tantos outros filmes, todos infinitamente maiores que ele). Reyels não é ingênua: ela pretende – e entrega – um romance misterioso e econômico, não disposto à simples fatalidade para, assim, agradar um público que por ela anseia.

Bruno Cursini

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