Ano VII

Tabu

sexta-feira jun 28, 2013

Tabu (2012), de Miguel Gomes

Existe uma inventividade narrativa no cinema português que é única na sua forma de ser e que, felizmente, tem deixado herdeiros. Da linhagem de Manoel Oliveira, João Cesar Monteiro, Antonio Reis e Margarida Cordeiro, temos, fazendo filmes bem diferentes, mas igualmente criativos, dois dos mais engenhosos cineastas da atualidade: Pedro Costa e Miguel Gomes.

Miguel Gomes, para usar um termo lusitano, é mais zombeteiro, vide seus curtas, e os longas A Cara que mereces e Aquele querido mês de Agosto, mas Tabu, seu filme mais recente, é mais sério, ainda que tenha muito humor, um humor mais fino, mais sutil.

Miguel Gomes divide seu filme em três momentos: um prólogo na África dos desbravadores que trata da mesma história amor, trama igualmente marcada pela impossibilidade de concretização, só que sob o ponto de vista mais ancestral, o que leva o personagem a uma atitude extrema: mergulhar nas águas de um rio para tornar-se alimento dos crocodilos. Depois temos a história de Aurora no presente, uma mulher de idade, cuidada pela pajem africana chamada Santa, mas a quem Aurora atribui valores e ritos satânicos, sendo que ambas são vigiadas de perto pela vizinha Pilar, a quem todos no filme não cansam de chamar de boazinha E, num último momento, a narração de Ventura que origina um flashback que vai costurar todas as histórias, explicando o seu caso de amor com Aurora.

Tabu, no filme é um acidente geográfico, o morro que se ergue nas proximidades da casa de Aurora na África dos europeus.

Tabu e Aurora são citações diretas a Murnau; menção, ou remissão, fundamental, que dá conta da fotografia em preto e branco e da história de amor proibido como o tabu mais primitivo. Da mesma forma, e mais contemporaneamente, Ventura, o amante de Aurora, é uma alusão, indireta que seja, ao personagem dos últimos filmes de Pedro Costa, filmes que tratam da migração africana em terras portuguesas. Santa, personagem criada por Miguel Gomes, não está muito distante de Ventura, personagem real de Pedro Costa. 

Tabu, Aurora e Ventura/Santa: o passado e presente na relação Portugal/Europa e África, a volta ao passado colonial e o reflexo deste no presente, seja na situação política de Portugal, seja pelos modos como o cinema português trata a questão. E, além disso, e mais do que isso, o cinema mudo de Murnau, cinema primevo que trata também do mais primitivo, Tabu, e do qual se pode fazer, vide Aurora, um paralelo com o cinema do presente.

Dessas camadas, e não somente transitando entre os gêneros (ver texto de Heitor Augusto na cobertura da 36ª Mostra SP), é feito Tabu de Miguel Gomes.

Em Tabu, ele atinge seu maior grau de refinamento e complexidade. Complexidade dada a cada plano na sua composição, nas bitolas que usa para filmar, na forma como compõe o quadro e o som, bem como nas situações e diálogos recheados de elementos significativos que não podem ser percebidos em maior grau, dizer na totalidade seria um absurdo, numa primeira visão do filme.

Miguel Gomes faz de Tabu um mosaico de referências, mas a costura é tão bem feita que, à superfície, tal colagem revela pouco os elementos em favor de um texto que funciona maravilhosamente bem. E de todas estas variações, Miguel Gomes constrói o seu filme.

Assim como Insensatez, de Tom Jobim, trilha do filme, ganha novo corpo com as variações pindéricas assinadas pela compositora Joana Sá. Assim como o crocodilo que come o desbravador morto de amor na primeira parte do filme ganha novo corpo e gera um filhote que foge de Aurora para a levar até Ventura.

Cesar Zamberlan

 

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Entrevista com Miguel Gomes - Por Heitor Augusto

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