Ano VII

Parte 5: A Cara que Mereces, Por Enquanto, Antiviral, Ballet Aquatique

quarta-feira out 24, 2012

Parte 5: A Cara Que Mereces, Por Enquanto, Antiviral, Ballet Aquatique

Com as revisões dos longas de Tarkovski nestes primeiros dias de Mostra, pouco tempo sobra para os novos filmes. E os poucos filmes que se intrometem na retrospectiva do diretor russo são: brasileiros que não posso comentar por enquanto, filmes decepcionantes ou simplesmente filmes que pouco prometiam e pouco cumpriram.

Na categoria "decepcionantes" certamente está A Cara Que Mereces, o primeiro longa de Miguel Gomes. Na primeira parte, alguns momentos interessantes ("país livre é o c……", cachorro pegando o jacaré de pano, a música que Francisco, o protagonista, canta). Na segunda, intitulada "Sarampo", um longo e tedioso relato de fábula entre crianças crescidas (vividas, entre outros atores, pelos também diretores João Nicolau e Manuel Mozos): sete amigos cuidando de Francisco, que pegou a tal doença contagiosa (doença, de resto, associada à infância).

Chegamos então a Hal Hartley. No começo dos anos 1990 as sessões de seus filmes lotavam as salas da Mostra. Agora, é recebido com descrédito a cada novo longa que lança. Está em outra categoria, resumida por um "ainda se espera algo assinado por esse diretor?", e por uma vez Hartley nos diz que sim.

Por Enquanto é a pequena história de Joe, um candidato frustrado a ser um figurão em tantos frontes: músico, produtor de cinema, escritor, empresário, e até mesmo um consertador de diversos tipos de máquinas. Ao contrário do filme de Gomes, que testa nossa paciência em mais de 100 minutos, o de Hartley é bem curto, tem apenas 61 minutos. E são minutos que passam rápido, graças aos encontros curiosos que Joe tem em Manhattan, durante algumas horas de um determinado dia. É possível que muitos não embarquem na onda do personagem, um típico falastrão novaiorquino. E apesar de ser muito superior a Fay Grim, o longa anterior, Por Enquanto está bem longe de Confiança ou Amateur para nos garantir de que Hartley voltou à velha forma. Mas como o próprio nome diz, por enquanto, já que a inspiração não vem, o diretor faz passatempos pequenos e agradáveis.

Antiviral, por outro lado, navega em mares conhecidos. Brandon Cronenberg, o diretor, é filho de um outro diretor, que dispensa mais comentários. Tal como Maria Rita fez, aproximando-se perigosamente da sonoridade de sua mãe, Elis Regina, Cronenberg filho imita o mundo e o clima dos filmes mais perturbadores de Cronenberg pai, mas só consegue atingir o patamar da estranheza com o absurdo reinante, sem o choque com a realidade que o pai faz tão bem.

E por falar em absurdo, mais bem sucedido nesse terreno é Raoul Ruiz, que com Ballet Aquatique faz uma espécie de programa educativo sobre o fundo do mar, cheio de ironia e falas bizarras em 50 minutos de projeção: "alguns peixes são fantasmas, outros não, e outros nunca serão fantasmas". O próprio Ruiz aparece lendo uma espécie de guia para as imagens, além de Melvil Poupaud, impagável com sua pinta de sério, e do produtor François Margolin. Como homenagem ao documentarista científico Jean Painlevé, Ruiz faz um filme divertido e maluco, delicioso para uma tarde chuvosa.

Sérgio Alpendre

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