Ano VII

Diário – Parte 3

quinta-feira out 11, 2012

Diário Parte 3 (Na Solidão da Noite, Éden, Twixt)

Encontros e perda de horário no despertar fizeram com que meu sábado fosse brindado com apenas um filme. Menos mal que seja o espetacular Na Solidão da Noite, cartão de visitas da grande produtora inglesa Ealing, principal lar de Charles Crichton e Robert Hamer (dois dos diretores que assinam o longa).

A Ealing era especializada em comédia e horror. Foi sob as asas dessa produtora que Alexander MacKendrick realizou seu Ladykillers, e que Robert Hamer fez o antológico As Oito Vítimas. Se fizermos uma lista com os 50 melhores filmes ingleses, pelo menos 20 seriam da Ealing, o que dá uma noção de sua importância para o cinema da Inglaterra (que sempre foi muito melhor como celeiro de nomes para o cinema americano do que para a alimentação de sua própria cinematografia).

Na Solidão da Noite é predominantemente um filme de horror, e dois episódios em especial conseguem ser bem impressionantes – o do espelho e o do ventríloquo -, mas há uma boa dose de comédia dosada com cuidado em sua duração, sobretudo no episódio dos jogadores de golfe. É certamente um dos maiores filmes exibidos neste Festival do Rio. É até sacanagem comentá-lo junto com os filmes recentes.

No domingo, dois filmes de diretores que sempre faço questão de acompanhar. Um é óbvio, mas decepcionou: Coppola, com seu Twixt. Outro é mais novo, mas mostrou uma progressão em sua carreira: Bruno Safadi e seu Éden. O segundo possibilitou que eu conhecesse a sala 3 do Roxy (em Copacabana), que desde já prefiro ao badalado Odeon (e por isso acho mil vezes melhor ver os filmes da Premiere Brasil na Zona Sul do que na antiga Cinelândia, quando o Odeon faz com que o Festival do Rio fique com cara do Festival de Gramado).

Éden: em cerca de 75 minutos, Safadi capta o estado de perdição em que se encontra a personagem de Leandra Leal, que, grávida, testemunhou o assassinato de seu marido (mostrado em flashbacks meio irritantes, diga-se de passagem). Ela busca, um pouco a contragosto, a salvação em uma igreja evangélica, cujo pastor é interpretado por João Miguel. É interessante como não há o menor maniqueísmo nessa situação. O pastor ora nos é apresentado como um apaixonado que acredita no que faz, ora como um oportunista que está ali para ganhar dinheiro. Da mesma forma, a personagem de Leal se divide entre a aceitação de uma nova crença, sem que ela saiba de onde essa crença vem e o que fazer com ela, e a incredulidade com as pessoas e as situações, e principalmente com o comportamento de seu irmão, vivido por Júlio Andrade.

É preciso ressaltar a habilidade de Safadi na direção de atores. Leandra Leal, João Miguel e Júlio Andrade estão ótimos, assim como os atores e atrizes que vivem os personagens secundários. Na obsessão com Polanski, Safadi se sai muito melhor que em Meu Nome é Dindi. Talvez porque a matriz desta vez também é superior: em vez de Repulsa ao Sexo, temos O Bebê de Rosemary assombrando as cenas em que a protagonista tem crise (espiritual, mas que se reflete fisicamente).

Twixt é mais difícil de comentar. Difícil não soar ofensivo com o grande diretor. Porque aqui ele filma preguiçosamente, ou deixa totalmente nas mãos do diretor de fotografia (o mesmo Mihai Malaimare dos outros Coppolas deste século) a concepção visual feia de seu novo filme. Apesar da presença galhofeira de Val Kilmer, um "sub-Stephen King" em viagem ao mundo dos sonhos góticos, não dá para acreditar que Coppola tenha perdido tempo filmando isso, justamente agora em que ele não precisa mais do cinema, e por isso podia se aventurar pela arte quando tivesse realmente algo a mostrar, não simplesmente para brincar em terreno burtoniano.

Sérgio Alpendre

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