Ano VII

Diário – Parte 2

sábado out 6, 2012

 

Diário – Parte 2 (Tabu, Nós e Eu)

Se ontem foi o dia das películas, uma delas substituindo um DCP que deu problema (algo comum por aqui), hoje foi o dia do DCP, com dois filmes vistos no formato, ambos na sala 1 do Estação Botafogo: Tabu, de Miguel Gomes, e Nós e Eu, de Michel Gondry.

Tais filmes são exatamente o que eu esperava. Tabu confirma Gomes como mais um talento vindo de Portugal, e Nós e Eu confirma aquilo que muitos já sabiam: que o mundo não precisa de um Soderbergh piorado.

Tabu é impressionante. Filmado em preto e branco e em 16mm, no formato 1.37:1, traz duas histórias conectadas por uma personagem que morre. A primeira história se passa em Lisboa, 2010, a segunda em Moçambique, nos anos 1960. O prólogo deste novo filme funciona da mesma maneira que o prólogo de Aquele Querido Mês de Agosto, que mostrava uma raposa rondando o galinheiro: como um comentário irônico do que iremos ver. Além do nome do filme, que remete a uma obra-prima da Murnau, nomes de personagens também trazem referências cinematográficas: Aurora e Ventura promovem a união de Murnau com Pedro Costa, o que este último certamente deve ter aprovado.

A segunda parte de Tabu é parcialmente muda. Não ouvimos os diálogos, mas ouvimos os sons ambientes e a música que os personagens produzem. É um efeito curioso, pois, aliado ao formato 1.37, nos joga para um outro tempo cinematográfico, onde o filme de Miguel Gomes parece se encaixar com maior facilidade. Obviamente o filme merece texto maior, que deve chegar assim que surgir a oportunidade de revê-lo.

Nós e Eu, por outro lado, não merece muito espaço. É um cruzamento de Larry Clark com Spike Lee que prioriza o que os dois têm de pior: um olhar sensacionalista/preguiçoso para uma geração (no caso de Clark) ou grupo racial (no caso de Lee) que eles querem entender. Polifonia de vozes tratada de maneira pífia, bem diferente do que Canijo explorou em Sangue do Meu Sangue, e aspecto geral de videoclipe amador fazem com que os poucos momentos de salvação da penúria (a relação entre Chen, a gostosona, e as outras moças da turma; a mulher da bicicleta) fiquem sufocados. E é impressionante como, ao retratar um universo em que a tensão sexual explode por todos os lados, o filme seja nulo em matéria de sexualidade. Mal vemos o corpo de Chen, por exemplo, garota que movimenta as atenções masculinas no ônibus. Nesse sentido, Larry Clark se sai muito melhor.

Sérgio Alpendre

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