Ano VII

Brasília – abertura

quarta-feira set 19, 2012

Abertura – o subdesenvolvimento, a crítica e A Última Estação

Esse fenômeno lança alguma luz sobre a ambiguidade das posições do crítico brasileiro frente à produção cinematográfica de seu país. O filme nacional é um elemento perturbador para o mundo, artificial mas coerente, de ideias e sensações cinematográficas que o crítico criou para si próprio. Como para o público ingênuo, o cinema brasileiro também é outra coisa para o intelectual especializado. Atacando com irritação, defendendo para encorajar, ou norteado pela consciência de um dever patriótico, o crítico deixa transparecer sempre o mal-estar que o impregna. Todas essas posições, particularmente o sarcasmo demolidor, são véus utilizados para esconder o sentimento mais profundo que o cinema nacional suscita no brasileiro bem formado — a humilhação.

Algumas das ideias que Paulo Emílio Salles Gomes solidificou sobre o cinema brasileiro e seu estado subdesenvolvido, publicadas entre o começo dos anos 1960 até 73, data do seminal ensaio Cinema: Trajetória no Subdesenvolvimento, ficaram datadas. Outras, pelo contrário, mostram-se de uma atualidade cruel. Uma delas é o desconforto em lidar com a precariedade do cinema nacional – apesar do falacioso entusiasmo momentâneo provocado ou pela presença em festivais internacionais, no campo da legitimidade, ou no volume de recursos nos editais, no campo da produção.

Paulo Emílio será constantemente evocado nesta edição do Festival de Cinema de Brasília, a 45ª, por ser um dos eixos do evento – a atualidade de seu pensamento deverá nortear as discussões. É preciso lembrá-lo não só para completar o hiato da trajetória do cinema brasileiro nos últimos quarenta anos, mas para clarificar onde a crítica entra na problematização de uma cinematografia. Aí entra o mal-estar da crítica, a posição ambígua do crítico e o longa de abertura, A Última Estação.

Está aí um filme ora desconjuntado e precário, ora sensível e ponderado. Num contexto pós-11 de setembro, em que é nítida a preguiça geral para entender os assuntos de culturas outras que não as ocidentais (vide a quimera do vídeo de Maomé que circula pelo YouTube), é fundamental que o eixo de percepção do Oriente Médio seja deslocado. Só isso já propicia um frescor no olhar – mesmo que A Última Estação seja, no fim das contas, uma tentativa de mimetizar o cinemão americano de boas intenções.

Desconjuntado porque reúne achados como a personagem mais jovem, que estabelece o conflito do velho libanês com o mundo contemporâneo, ao lado de equívocos como a banalização de recursos de fotografia e direção como a grua ou a representação apressada de realidades locais como a paraense. Precário porque tenta maquiar a falta de recursos com, por exemplo, a cromatização em marrom da fotografia (que tenta dar na marra a atmosfera de filme de época). Ou pela visível inadequação da idade dos atores coadjuvantes se comparado com o protagonista, um escorregão de casting.

Só que A Última Estação é também sensível por ter um protagonista, vivido por Mounir Maasri, capaz de propiciar o acesso a um mundo outro, diferente, que invariavelmente tomamos como sinônimo das vilanias do mundo. Ponderado pois não deixa de colocar seu protagonista os personagens que o circundam contra a parede – a questão da identidade é um dos aspectos que sobram na leitura.

Este texto começou com um excerto de Uma Situação Colonial, de Paulo Emílio, não foi à toa. Por ser também equivocado na mímese do cinemão e de aspectos do melodrama, o que invariavelmente causa o incômodo por seus exageros, A Última Estação é o típico filme que, quando exibido num festival de cinema, é prato cheio para a crítica malhar, moer e remoer nos fóruns informais.

Essa é uma operação involuntária, às vezes imperceptível, de expurgar o incômodo, colocar no papel de Judas filmes que causam uma sensação compartilhada de mal-estar por seus equívocos visíveis, latentes. Como se a malhação fosse o alimento necessário para renovar as energias para os filmes que estão por vir. Contraditoriamente, festivais de cinema são janelas de projeção maravilhosas, mas não necessariamente os melhores lugares para um crítico ver um filme. Seja pelo oba-oba geral ou por sua via oposta, o sarcasmo chacoteiro, uma das facetas daquilo que Paulo Emílio chamou de “dar as costas ao cinema brasileiro, uma forma de cansaço diante da problemática do ocupado e indica um dos caminhos de reinstalação na ótica do ocupante”.

Heitor Augusto

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