Ano VII

Quem tem Medo de Cris Negão?

segunda-feira ago 27, 2012

Quem tem Medo de Cris Negão?, de René Guerra

 

O mundo das travestis e o submundo do centro da cidade de São Paulo precisa urgentemente ganhar um longa-metragem, pois o curta Quem Tem Medo de Cris Negão? abre uma série de portas que, por conta da duração, não permitem serem penetradas a contento.

Explicando: Cris Negão, ou Cristiane Jordan, é talvez a última notória travesti cafetina, que ocupou nos anos 2000 o vácuo deixado pela morte de Andréia De Maio (uma das que atirou merecidas pedradas verbais em Afanasio Jazadji no antigo Programa Livre do Serginho Groisman e que ajudou Goulart de Andrade na famosa reportagem de 1985). Andréia, por sua vez, havia sucedido Jaqueline Blábláblá na caftinagem.

Aí veio Cris Negão, que me parece uma espécie de Hiroito das travestis ou um padrinho à moda da máfia italiana. É essa junção entre o amor e o medo por um poderoso chefão que o curta-metragem de René Guerra coloca como preocupação na construção de seu discurso.

Como ter um olhar critico, mas não cair na condenação? Como ser afetuoso, mas sem romantizar? Em última instância, como colocar sob holofotes modos, costumes e vidas sempre relegados à noite, à exceção, ao que é permitido existir só quando as luzes apagam?

O filme tenta dois caminhos como antídotos ao maniqueísmo. O primeiro é, tal qual Jogo de Cena, deixar claro que existe um certo teatro nas próprias entrevistas, uma mistura entre essência da verdade e uma introjetada performance. O espaço cênico é o mesmo tanto para as que acusam quanto para as que defendem Cris Negão.

O segundo é registrar imagens refletidas num espelho estilhaçado, como que colocando o que há de multifacetado e controverso em quem articula um discurso. Tal como uma aceitação de que não dá para falar de um poderoso chefão sem necessariamente questionar a própria representação. E é isso que Quem Tem Medo de Cris Negão? faz, colocando a personagem de Phedra no eixo.

Tem-se também uma vontade de reconstruir brevemente a história de uma pessoa e sua controversa morte com ares de melodrama policial – onde entra uma trilha que dialoga com a obra de Almodóvar.

Duas das portas que o curta-metragem abre, mas não consegue fechar estão no depoimento de Divina Núbia. O primeiro quando diz que “de noite, meu amor, era o quartier das assassinas. A Major Sertório ficava só as de Paris, que eram be-lís-si-mas”. Só essa frase dá um filme.

A segunda é quando Núbia justifica os métodos à Don Corleone e Tony Montana de Cris Negão: “Ela precisou da maldade para sobreviver”.

Pois é, essa coisa chamada ser humano é realmente complicada.

Heitor Augusto

 

Sessão de Quem Tem Medo de Cris Negão? no Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo

 

Quarta-feira (29/8), às 18h, no CineSesc

 

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