Ano VII

Catch .44

quarta-feira set 5, 2012

Catch .44 (2011), de Aaron Harvey

Muito já foi dito (criticado, melhor dizendo) sobre a danosa influência de Quentin Tarantino no cinema americano dito independente. De fato, particularmente nos anos 90, seguidas insignificâncias foram produzidas sob sua matriz, e títulos como Coisas Para Se Fazer Em Denver Quando Você Está Morto afundavam-se nos anseios de cineastas que buscavam, na estilização pop de seus trabalhos, os louros colhidos por Pulp Fiction

O infortúnio é que, por detrás de suas milimetricamente planejadas poses, não havia nestes diretores talento, paixão ou apetite, e nada da violência supostamente catártica de suas cenas, surtia o efeito por eles tão escancaradamente desejado. A estes desbotados xeroxes une-se, tardiamente, Catch .44: provavelmente o ápice destas diluições, servindo como inventário inconteste daquilo que Tarantino pode sugestionar de pior, no caminho oposto às suas próprias homenagens realizadas em obras como Jackie Brown e À Prova de Morte.  

O que torna a situação interessante (a razão desta resenha, afinal) é vermos o quão didático algo assim nos surge, evidenciando cada uma das intenções de seu criador: no caso, o jovem Aaron Harvey, e seus invariáveis e sucessivos malogros, plano após plano. A eles: um malfadado embaralhamento da linearidade narrativa, buscando profundidade em um roteiro que mais parece um capítulo grosseiro de As Panteras (três belas garotas, disfarçadas, trabalhando para alguém cujo rosto nos é inicialmente velado, recebendo um tratamento que beira o mítico); ecletismo e abundância de música popular, chegando até mesmo a nos fazer esperar por Dick Dale em vários momentos (e, se bobear, lá está ele, em algum lugar); personagens resumidos às suas idiossincrasias, como o chefão interpretado por Bruce Willis e seu apreço por nozes pecã; a desesperada busca pelo cool, começando por seu elenco, com nomes hoje meio esquecidos como Forest Whitaker e, principalmente, Brad Dourif; a tentativa de fetichizar, bem, praticamente tudo, de um Rolex e uma BMW à imagem de mulheres com armas (loiras, morenas, latinas) e barbichas e botas dos onipresentes rednecks; referências à cultura popular, citando o nome de um dos astros que participa desta produção; diálogos supostamente espertos, normalmente sobre nada e surgindo antes de algum momento estrepitante.  

Tal passatempo fica mais divertido se o ligarmos, diretamente,  às cenas maternas correspondentes: o coitado no porta-malas de Cães de Aluguel; o bate-papo que precede a gritaria em um pacato e típico diner americano, as fitas cassetes e os jukeboxes, de Pulp Fiction; a calmaria nervosa da conversa entre Mel (a mais eminente das contratadas para o serviço sob o qual o roteiro irá circular) com seu chefe, na sala de sua grande casa e, também, uma fatídica cova, diretamente saídas de Kill Bill; o carro mexido e os honky tonks de À Prova de Morte etc. etc.   

A lista é, de fato, extensa e serve como exercício de memória ao espectador, diante um objeto que deve ser evitado não por fracassar – uma vez que exemplos de fascinantes fracassos não faltam –, mas por chafurdar em uma tentativa que, por si só, já é bastante condenável: copiar a superfície de alguma coisa (qualquer que seja  e, aqui, ela nos surge óbvia), passando ao largo de suas motivações.

Bruno Cursini

 

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