Ano VII

Passe ton Bac d’Abord (1978)

segunda-feira jul 2, 2012

Passe ton Bac d’Abord

1978

Passe ton Bac d’Abord surge em um momento particularmente delicado, na já bastante conturbada biografia de Pialat. Após o sucesso de Nós Não Envelheceremos Juntos, La Gueule Ouverte – fazendo um público de, aproximadamente, apenas 12 mil espectadores na França – representa um retumbante fracasso, deixando-o financeiramente falido.

Para este seu quarto longa-metragem, ele parte da vontade de retratar a menina que havia participado de Infância Nua – como a irmã de François, em seu primeiro lar adotivo –, 10 anos depois, ou seja, em sua adolescência. Mudanças em sua concepção à parte, de fato Passe ton Bac d’Abord pode – e deve – ser visto como um prolongamento de sua estreia, com a mesma pequena cidade de Lens, ao norte da França, servindo de locação a estes garotos que, com o final do colegial, não podem vislumbrar quaisquer alternativas, senão a perpetuação da mediocridade estagnada da vida de seus pais.

Utilizando majoritariamente como atores os próprios moradores da cidade – suas casas e até mesmo seus familiares –, Pialat apropria-se de suas experiências e anseios para, junto às suas próprias, delinear uma visão fatalista de mundo, onde a absoluta inexistência das convicções políticas e filosóficas, que motivavam muitos dos jovens protagonistas da Nouvelle Vague, materializam-se em personagens flutuantes, ainda mais do que aqueles em suas produções dos anos 1980 e 1990.

Em certos aspectos, muito desta fragilidade se retomará em Loulou e Aos Nossos Amores, ao qual, aliás, o comportamento imprevisível de Elizabeth (Sabine Haudepin) servirá como ensaio à inesquecível Suzanne de Sandrine Bonnaire, também errando entre casos fugazes e brigas com a família. No entanto, se lá, ao menos a partida, a  fuga da garota aos Estados Unidos podia ser interpretada como uma possibilidade divergente das situações que tínhamos acompanhado, aqui,  Elizabeth acaba grávida, condenada a um próximo ano ainda mais cruciante e inerte do que aquele ao qual acabamos de assistir. Seu desânimo na resposta frente a sua mãe, que suspira condescendentemente, neste notável momento de resignação (o último plano do filme, que servirá de epílogo a todas essas vidas), não nos deixa conjecturar outra possibilidade.

Este é também o mais fragmentado trabalho de Pialat até então, e poucos – antes ou depois – parecem terem sido fundados tão à maneira com que as filmagens ocorriam, tornando sua montagem um instante singular de criação. E nesta ausência de estabilidades narrativa e dramática salta aos olhos o retrato desta juventude rasteiramente niilista, em um “filme de grupo” que não exaltará a amizade ou qualquer tipo de laço de união entre seus membros.

E isso, só mesmo a frontalidade impolida e crua da percepção do cineasta – e sua inigualável capacidade de preencher suas obras com sua personalidade e com a atmosfera que circundou suas feituras –, para conseguir preservar Passe ton Bac d'Abord de surgir obsoleto, como tantos outros semelhantes que continuam sendo feitos sob sua sombra, incansavelmente, até os dias de hoje.

Bruno Cursini

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br