Ano VII

La Gueule Ouverte (1974)

segunda-feira jul 2, 2012

La Gueule Ouverte

1974

Mesmo para um realizador tão pouco dado a tramas como Pialat, La Gueule Ouverte apresenta uma sinopse particularmente breve e facilmente reconhecível: mãe descobre que está irremediavelmente doente e, com seu filho e nora, vai ao interior passar seus últimos momentos na casa onde viveu e que hoje é habitada somente por seu distante e infiel marido.

Fotografado em tons azuis pálidos e gélidos pelo grande Néstor Almendros (O Joelho de Claire, Dias de Paraíso), evidenciamos a impossibilidade da manutenção da estrutura familiar e, sobretudo, nossa impotência frente ao inevitável aniquilamento físico.  Não há propósito nesta (ou em qualquer outra) morte, tampouco justificativa ou escapatória e, portanto, não há nada mais ordinário e desolador.

Levando sua história a uma bucólica cidade, em uma situação cuja tendência dramática normalmente recairia sobre as reles reflexões de cada um dos quatro envolvidos para, ao final, saírem fortalecidos e de alguma maneira renovados, Pialat parte, desta ocasião, para realizar a grande investida anti-nostálgica do cinema.

Pegamos, por exemplo, a cena em que o filho está no quarto com a mãe, já nada muito além de um corpo sem vida. Ele abre uma gaveta e passa por antigas fotografias. Seus gestos são insatisfeitos: suas recordações não conseguirão aproximá-lo daquela vida que agoniza a seu lado. Segundos depois, impassível, levanta-se e sai, deixando-a sozinha.

Não se trata, porém, de exibir a devassidão humana; ao contrário, parte considerável da força assustadora deste filme advém das nuances de seus personagens, exibidas nos momentos em que eles tentam afastar-se da condição que ali o reuniram. O que nos debilita à maneira daquilo que vemos é esta vinculação e a ausência de razão para tal dispersão afetiva.

Poderíamos, após a morte da mãe, respirar brevemente, quando o filho e sua esposa saem, apressadamente, da casa e do local que os enclausuraram. No entanto, o cineasta não se detém na estrada à frente, mas, a começar pelas costas do pai, no local onde tudo se passou.

Quando já estamos seguindo para longe deste ambiente (neste belíssimo e longo plano, que nossa intuição nos faz crer ser o último), surpreendentemente voltamos ao presente: à casa onde o viúvo permanecerá, inescapavelmente. Eis a imagem com que Pialat nos deixará: um retrato inoportuno de nossos próprios porvires.

Bruno Cursini

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