Ano VII

Eu Receberia as Piores…

sábado abr 28, 2012

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios (2011), de Beto Brant e Renato Ciasca

Serão poucos aqueles que, hoje, irão discordar da afirmação de que Beto Brant é o mais talentoso cineasta brasileiro surgido desde a chamada “retomada”. A começar por sua estreia em longas-metragens, com Os Matadores, realizado em 1997, Brant conseguiu produzir com uma regularidade quase sem par entre nossos realizadores, construindo uma filmografia forte e coerente, de alguma forma passando ao largo das facilidades dos vícios autorais ou das concessões ao grande público.

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios é seu sétimo filme, o quinto em parceria com o escritor Marçal Aquino e o segundo codirigido por Renato Ciasca (o primeiro sendo o delicado Cão Sem Dono). O trio assina o roteiro, adaptado do romance homônimo de Aquino, sua obra mais famosa.

Certeiramente, a versão cinematográfica vai ao cerne do livro, eliminando personagens secundários e substituindo o pano de fundo do garimpo pelo da exploração madeireira: Cauby (Gustavo Machado) é um fotógrafo que chega a uma cidade ribeirinha, no interior da Amazônia. Lá, envolve-se em uma paixão avassaladora com Lavínia (Camila Pitanga). Neste momento, Brant, habilmente, instaura o espectador na vida de seus dois personagens, relegando a segundo plano suas vidas pregressas. Ela é casada com Ernani (Zécarlos Machado), o pastor da cidade e, claramente, dita o ritmo simultaneamente incerto e imediato de seu caso com Cauby, que passa os dias aguardando-a em sua casa.

É, assim, tão mais vigoroso o longo e inesperado flashback que nos leva ao Rio de Janeiro, onde Lavínia cambaleia drogada e fora de si, pelas calçadas, até ser socorrida por Ernani;  ele mesmo  um homem recém-recuperado da morte abrupta de sua esposa, tendo encontrado, na religião, a força para prosseguir e mudar o rumo de sua vida. E é através de suas palavras que ele consegue tirar Lavínia da prostituição e, finalmente, encontrar uma parceira com quem possa viajar, oferecendo sua experiência e suas preces às comunidades carentes.

E é quando a narrativa volta à Amazônia que os tons premente e ameaçador da história passam a prevalecer e, só então,  o espectador começa a ter dimensão da tragédia iminente (no romance já sabemos, de  início,  que a conclusão da história não será sem grandes custos aos personagens). E tal estranhamento se dá pelas oscilações da narrativa, sempre com sua força atrelada às inquietações emotivas e espirituais de Lavínia, estilhaçada entre dois homens apaixonados e propensos a tudo por sua companhia – e se o elenco está extraordinário, podemos destacar Camila Pitanga, no que consiste na melhor atuação de sua carreira.

Absorto nos personagens e no ambiente hostil que os cercam, Brant novamente lida com os liames entre as forças vitais cônscias dessas vidas e seus destinos inelutáveis; no entanto,  aqui inserindo uma invulgar camada ascética a seus amores e motivações. Não obstante as várias cenas de sexo e, novamente, uma trama centrada no relacionamento entre um artista (Cauby, fotógrafo) e sua musa (Lavínia), a esses se sobrepõem, em uma instância, a moral de um homem cuja compaixão cristã parece trazer pouco além de tumulto e, antes, uma sufocante e extravagante paisagem, onde nela refletem-se os mistérios ameaçadores do porvir de seus habitantes: esse ambiente parece, crescentemente, ser a causa e a razão inescapáveis da fatalidade das vidas desses personagens. Cauby, Lavínia e Ernani encontram-se tão indefesos de suas próprias existências quanto a floresta, que é rápida e ilegalmente devastada.

O que antes era intimidade e introspecção (Cão Sem Dono, O Amor Segundo B. Schianberg), com a natureza fervorosa torna-se objeto de clamor público e desejos imperiosos. E assim, Brant realiza um fascinante (senão, e por isso, errático e dilatado) conto de seres traumatizados em situações extremas (amor, morte; ganância, generosidade) que, ao final delas, se encontrão renascidos e, de uma maneira ou de outra, com seus caminhos já percorridos.

Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios é, arriscadamente, atordoante, belo e vivo, como poucos lançamentos do ano, brasileiros ou não.

Bruno Cursini

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