Ano VII

Jogos Vorazes

quinta-feira mar 29, 2012

Jogos Vorazes (The Hunger Games, 2012), de Gary Ross

Na busca por emplacar uma saga que possa substituir os recentes sucessos adolescentes de Harry Potter e Crepúsculo, surge Jogos Vorazes, baseado na trilogia best seller da americana Suzanne Collins. Para quem, como eu, nunca tinha escutado falar desta série até a realização de sua versão cinematográfica, há um certo alívio ao perceber que o tom desta distopia pende mais às ficções-científicas de Paul Verhoeven e dos produtos baudrillardistas para consumo de massa, como O Show de Truman, do que aos nossos aborrecidos bruxinhos e vampirinhos de última hora.

Não que isso faça desta fábula algo que possa nos trazer maiores expectativas, mas é que, nestes tempos de blockbuster pós-O Senhor dos Anéis, qualquer coisa que fuja da irritante toada épica-solene das proliferantes adaptações em conta-gotas (I, II, III, IV, V – parte 1, V – parte 2 etc.), merece, sim, uma recepção mais benevolente. Neste mesmo quadro, poderíamos lembrar de John Carter, mas aí, a vaca, aparentemente, já encaminhou-se para o brejo.

Terceiro trabalho na direção de Gary Ross, temos um material que não parece, a princípio, adequado ao responsável pelos sensíveis A Vida em Preto e Branco e Seabiscuit – Alma de Herói.  Também, poderíamos estranhar a escalação de Jennifer Lawrence para o papel principal – atuando como a aguerrida Katniss –, mas as sequências iniciais não fazem outra coisa a não ser nos lembrar da exploração da América escamoteada de Inverno da Alma; até a câmera, coxa e grudada nos personagens, deixa-nos esperando pelo pior.

Como lá, Lawrence interpreta uma jovem responsável por sua família, no caso, habitantes do Distrito 12 de Panem, uma terra inóspita onde, um dia, ergueu-se o que hoje conhecemos como América do Norte. Após uma tentativa de revolução, já há muitas décadas, dois integrantes de cada distrito veem-se obrigados pela Capital a participar de um campeonato sádico: um reality show onde apenas um, dentre os vinte e quatro jovens (homens e mulheres, de 12 a 18 anos), se salvará (para “manter a esperança viva”, somos ensinados). E é aí que vai parar Katniss, colocando em prática sua habilidade de caça e sobrevivência, com chances de levar a seu povo um ano de necessidades razoavelmente suprimidas.

Fotografado sobriamente por Tom Stern (parceiro de Clint Eastwood desde Dívida de Sangue, em 2002), Jogos Vorazes consegue manter a atenção por suas quase duas horas e meia de projeção e, se há qualquer coisa a exaltar aqui, é isso.  E mais: praticamente não recorre aos traumas e à exploração dos dramas dos personagens. Quando o faz, como nas lembranças do vínculo de Katniss com seu parceiro ou, ainda, em uma garotinha que possibilita à heroína exercitar sua fraternidade interrompida, é tão ruim quanto as franquias que os distribuidores querem tanto atrelá-lo; no entanto, nunca  pior.  Se tivermos um pouco de paciência com isso, conseguiremos até achar interesse no relacionamento da garota com o rapaz; de início, não por romance, mas para fortalecerem-se no jogo e vender a imagem de um casal apaixonado aos espectadores, atraindo, assim, o interesse de patrocinadores.

De resto, buscar qualquer relevância em sua contestação à mídiatização, à espetacularização, à estetização ou a qualquer coisa que o valha, resultará, no mínimo, tão ineficaz e enfadonho quanto os abundantes debates e estudos sobre o porquê da paixão das trintonas pela saga Crepúsculo. Vejamos, pelo amor de Deus, Jogos Vorazes por aquilo que é.  E já está de bom tamanho.

Bruno Cursini

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