Ano VII

Calafate

domingo mar 25, 2012

Calafate, Zoológicos Humanos, de Hans Mülchi – Competição Internacional – Longa-metragem

Por Heitor Augusto

“Não podemos nos parecer com um shopping. O Chile é um país com raízes”. A fala de um ex-diplomata do governo chileno entrevistado para o documentário Calafate, Zoológicos Humanos resume com simplicidade a importância da vertente do documentário histórico, que se volta ao passado a fim de buscar reflexões no presente e evitar abusos horrores no futuro.

Um país sem memória não é um país, mas sim um shopping: sem lugar, sem raiz, sem capacidade reflexiva. Sem espelho. A importância da memória, especialmente a de episódios guiados por regimes de exceção ou por um eurocentrismo preconceituoso, vale para qualquer país. A impressão, porém, é que os documentaristas chilenos têm percebido e tomado essa pretensão com mais afinco, vide também o que Patricio Guzmán fez com Nostalgia de la Luz.

Apesar das nobres intenções e da vital importância, Calafate, Zoológicos Humanos não é tão cinematograficamente relevante quanto o documentário de Guzmán, exibido na Mostra de São Paulo em 2010, mas que permanece inédito no circuito comercial.

O filme de Hans Mülchi decidiu mexer num vespeiro: vasculhar o que há de registro nas “exposições étnicas” que empresários europeus realizaram no quarto final do Século 19, capturando povos “exóticos”, submetendo-os a condições animalescas, exibindo-os na Europa como atrações de circo – uma dessas personagens reais foi retratada ficcionalmente em Vênus Negra.

No caso do Chile, foram 21 índios de três etnias diferentes. Pior: com a conivência da administração chilena, que não impôs obstáculo a ação de sequestradores apresentados como respeitáveis empresários. Isso no contexto da Teoria da Evolução e ainda no discurso que estabelece o padrão europeu como o “normal” e qualquer coisa diferente como o “selvagem”. Se é bárbaro, pensavam (e pensam ainda em muitos aspectos, não só os europeus), por que tratá-los como humanos?

O mérito de Calafate, Zoológicos Humanos é primeiramente colocar o dedo na ferida. Depois, problematizar o retrato que os chilenos fazem de si próprios como a Suíça da América do Sul, branca e civilizada, que renega os traços indígenas como o diabo foge da cruz. Nessa equação do “país que somos” X “país que fingimos ser”, o documentário chega à sua grande potência: ao olhar para o passado, fala e problematiza o presente. Esse filme não é objeto de museu, mas combustível para pensar o hoje.

Mas falta cinema a Calafate, Zoológicos Humanos, é preciso dizer. São raros os planos e sequências impactantes, apuradas. Não há discurso estético nesse filme, apenas um sentimento de teimosia do realizadores de que ele precisava ser feito. Mas o longa não dá o salto final de “filme importante” para “bom filme”.

Por vezes é cansativo e repetitivo. Em outras, cai num sentimentalismo desnecessário – mesmo que compreensível. O único grande momento é quando a câmera para e registra as fotografias tiradas desses povos originários raptados e explorados na Europa: a chama no olhar das vítimas divide espaço com o medo e o susto. São fotos que dizem muita coisa sobre o discurso que legitima a colonização, a dominação, a opressão, a desumanidade.

Mas na hora de dar o último salto em direção ao cinema, Calafate, Zoológicos Humanos não avança.

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Sessão de Calafate, Zoológicos Humanos no É Tudo Verdade – Rio de Janeiro

Quarta-feira (28/3), às 20h30, no Centro Cultural Banco do Brasil-RJ

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