Ano VII

W.E.

quinta-feira mar 22, 2012

W.E. – o Romance do Século (W.E., 2011), de Madonna

Madonna é uma brilhante comunicadora. Sempre teve desenvoltura para estabelecer um diálogo com seu público por meio de suas músicas, suas coreografias e seu comportamento. Não deixa de ser irônico, porém, que a estrela que estimulava em canções seus fãs a se expressarem sem medo (“Express Yourself”) tenha tanta dificuldade de fazer a mesma coisa quando atua como diretora de cinema. Em W.E. – o Romance do Século, seu segundo filme, isso salta aos olhos: ela parece inepta ao tentar materializar suas intenções ao criar imagens cinematográficas.

O longa narra a trajetória de duas mulheres: Wallis Simpson, americana que fez o rei britânico Eduardo 8º abdicar do trono para se casar com ela, nos anos 30, e a fictícia Wallis Winthrop, jovem romântica na Nova York moderna, que sofre nas mãos do marido violento. Madonna disse em entrevistas que a ideia era mostrar o episódio da abdicação sob o prisma de Wallis Simpson, que ela crê ter sido injustiçada na época (ela foi considerada uma vilã, que “enfeitiçou” o monarca inglês). Ao mesmo tempo, quis traçar um diálogo dessa personagem com uma mulher de outro tempo que enfrenta uma crise conjugal e que entra em termos consigo mesma ao conhecer melhor (e se identificar com) a Wallis dos anos 30.

O espelhamento entre personagens de épocas distintas não é lá uma novidade no cinema – há não muito tempo, Stephen Daldry, por exemplo, o fez em As Horas. Mas naquele filme, os pontos de conexão entre as personagens eram bastante óbvios. Madonna, ao contrário, trava um diálogo entre duas personagens muito diferentes, que a priori teriam pouco a se comunicar. A Wallis moderna tem obsessão pela outra, talvez pela sua bela história de amor, enquanto o casamento dela mesma é um fracasso. Mas ambas têm vidas e comportamentos bem distintos. Uni-las no mesmo filme e colocá-las em posição reflexiva é uma ideia ousada e estimulante, porém arriscada. Madonna armou uma estrutura complexa em que as histórias das duas se alternam e acertou ao incluir cenas em que as personagens se encontram, tête à tête, em um plano imaginário: há ali um tocante senso de cumplicidade feminina entre elas. Mas na maior parte das cenas, as suas Wallis aparecem em trechos tão independentes entre si que é como se as personagens pertencessem a filmes distintos (fica difícil compreender por que o paralelo entre ambas foi sequer imaginado).

Talvez fosse mesmo melhor se Madonna tivesse optado por apenas uma das tramas, de preferência a da Wallis antiga, interpretada com brilho por Andrea Riseborough. O filme teria sido menos desafiador, mas teria tido muito mais força em termos emocionais (se W.E. é um filme glacial é sobretudo graças à fragmentação das histórias, que impede a identificação do público com qualquer uma das duas tramas).

Mas a confusa relação entre as Wallis não é a única jogada de risco que W.E. apresenta. Para contar as histórias, Madonna lança mão de uma série de procedimentos inusitados e um rebuscamento muito mais alinhado ao cinema europeu que ao de Hollywood. Sua direção é agressiva: imagens elegantes, bem enquadradas e filmadas em movimentos circulares de câmera se alternam repentinamente com outras trêmulas, desfocadas, granuladas. Há muitos cortes surpreendentes e falas ditas em ritmo inesperado. As atuações oscilam entre o sereno e o estridente. E cenas sóbrias coexistem com imagens camp ao extremo.

Pode-se ver nessa opção estética a sugestão de um universo desestruturado, em constante instabilidade. Mas Madonna é desastrada ao empregar grande parte da sua técnica – as escolhas estilísticas sempre parecem surgir fora do lugar e do tempo certo: nunca se sabe que efeitos a diretora realmente pretendia. Além disso, não há coesão estilística, e por isso mesmo tudo soa meio arbitrário. Alguns procedimentos são simplesmente incompreensíveis (o que ela pretendia com tantos cortes bruscos mesmo em sequências de inquestionável placidez? Ou pior ainda: por que diabos ela conclui algumas sequências dramáticas em tom abertamente kitsch, com direito a rímel derretido escorrendo com lágrimas, quando o tom inicial era seco, violento?).

Madonna já provou faz tempo que é uma mulher bem mais inteligente e culta que muitas de suas letras de apelo fácil poderiam levar a crer: ela certamente tem muito o que dizer. Mas alguma coisa dá errado quando ela tenta se exprimir com sua câmera. Muita gente a tem acusado de fazer uso de uma estilização gratuita para tapear parte da crítica e passar por cineasta cerebral. A idéia não é de todo absurda, mas reduzir suas intenções a isso é antes de tudo um preconceito: é preciso reconhecer que muitas vezes sua lente chega muito perto de transmitir informações pouco evidentes sobre seus personagens e que a movimentação de sua câmera, mesmo afetada, deixa entrever significados adicionais e ocultos ao que está sendo focado. Talvez um dia, sem tanta vontade de causar boa impressão, a Madonna diretora consiga realmente se destravar e se expressar. Assim como ela sempre estimulou os seus fãs.

Bruno Ghetti

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