Ano VII

Cairo 678

sábado mar 10, 2012

Cairo 678 (678, 2010), de Mohamed Diab

Cairo 678 cai naquela categoria de filmes que uma pessoa consciente do estado das coisas fica feliz pela existência, mas quem tem apreço pelo cinema não consegue deixar de notar como o resultado é falho. Um melodrama político sobre uma causa nobre, mas com tintas tão deslocadas que chegam a anular a força do discurso.

É a típica produção que o crítico de cinema torce para que o público não tome o texto como juízo final, desistindo de conhecer o filme por causa da avaliação crítica. Mesmo assim, quem escreve não pode (nem deve) divorciar-se da obrigação de apontar falhas, cegando-se por causa da nobreza do tema. É urgente um filme que discute o machismo e toma uma posição feminista para tal, o que não anula, porém, a necessidade de problematizar o sentimentalismo no qual o filme obriga suas personagens a mergulharem.

Torço para que os que lerem este texto vão antes ao cinema, assistam a Cairo 678 e, então, venham dialogar com o que aqui está dito.

Neste filme o que está em jogo é a sociedade egípcia um pouco antes da chamada Primavera Árabe. Em especial, a prisão invisível criada para conter as mulheres. Se o homem assedia, a culpa é dela que se insinuou. Se o homem se esfrega no ônibus, também é porque ela se ofereceu. Cairo 678 é ambientado no Egito, mas suas questões conversam com uma porção de países ocidentais – entre os quais, nós, o Brasil, que vira e mexe colocamos a culpa de um estupro na vítima, a “oferecida”.

Três personagens se encontraram, por acaso, no filme: Seba, classe média alta, assediada durante uma partida de futebol; Nelly, classe média baixa, alvo de um tarado na rua; Fayza, pobre, assediada diariamente nos ônibus entupidos a caminho do trabalho. Desesperadas para quebrar a corrente de silêncio e furar o bloqueio jurídico e burocrático numa sociedade voltada para a culpa feminina, uma delas toma uma atitude drástica: fere quem tente molestá-la.

Temos na nossa frente um filme que coloca como missão primordial sensibilizar seu público, fazê-lo compartilhar dos dramas das personagens e, quem sabe, olhar para a própria vida e abandonar o silêncio.

Mas o principal problema desse filme não está no melodrama em si, mas no mau uso das convenções do gênero como gesto desesperado de sensibilização. Uma coisa é buscar a empatia do espectador com elegância cinematográfica, enquadrando com beleza, construindo as sutilezas para que, no final, estejamos todos em sintonia com o filme.

Outra é o que faz Cairo 678: uma câmera meio desesperada que não sabe direito para onde ir, desnorteada por um roteiro subproduto do que já escreveu Guillermo Arriaga (Babel, 21 Gramas), chamando a música para corrigir o que não foi dado conta nas filmagens ou diálogos em forma de manifesto (“Não, Nelly, não foi sua culpa”).

É uma tentação também comparar o que Cairo 678 não tem com o que A Separação tem de sobra: inteligência na construção do discurso para falar do desesperador estado das coisas.

Quanto mais pararmos para se pensar nesse filme, o óbvio vai surgir: Cairo 678 vale apenas pela mensagem antimachista.

Heitor Augusto

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