Ano VII

Frank Miller coloca arruaceiros no devido lugar

quarta-feira jan 25, 2012

Um costume frequente, entre neófitos e recém-chegados ao mundo dos quadrinhos, era citar o trabalho do desenhista e roteirista norte-americano Frank Miller.

Para esses, o mais importante não era ressaltar que uma parte do – agora antológico – trabalho de Frank Miller com o personagem Demolidor estava disponível nas bancas brasileiras, já havia um bom tempo, em um despretensioso gibi chamado Superaventuras Marvel (julho de 1982). O mais importante era se afirmar como um leitor diferenciado de graphic novels, que não queria ser confundido com a turba de leitores que acometiam as bancas de jornal e sebos para formar suas coleções, e com isso garantir a ascensão de artistas como Miller.

Com essa postura, essas pessoas começaram – ainda que sem consciência disso – uma tendência quase irreversível, que danificou a indústria dos quadrinhos, fazendo com que um produto simples e acessível se transformasse em um item caro, com acabamento de luxo.

Para essa nova geração de leitores, o mais importante é que o quadrinho fique “bem na estante”; afinal, eles querem posar de entendidos, exibindo suas caríssimas edições ao lado de suas outras peças de coleção e aparelhos eletrônicos modernos.

Boa parte desses novos leitores, além de alguns antigos, acredita que os artistas, de maneira geral, são pessoas adeptas da anarquia e contrárias à ordem e aos bons costumes; que, para ser um talentoso desenhista e/ou roteirista de histórias em quadrinhos, é necessário ter uma dose de subversão; que os trabalhos realizados por esses artistas devem existir apenas para diverti-los.

Esquecem, por exemplo, que, durante a Segunda Guerra Mundial, os gibis também participaram ativamente do esforço de guerra, enfrentando em suas páginas os inimigos da democracia e inspirando a atuação dos soldados no front.

Com Holy Terror, Frank Miller resgata essa tendência patriótica dos quadrinhos norte-americanos de guerra. De quebra ainda mandou um recado para os arruaceiros do movimento Occupy Wall Street em novembro do ano passado:

“O ‘Occupy’ não passa de um bando de turrões, bandidos e estupradores, uma turba indisciplinada, vivendo da nostalgia de Woodstock e de fétida e falsa honradez. A única coisa que esses palhaços conseguem é fazer mal à América (…) não é mais do que uma modinha criada por moleques mimados de iPhones e iPads na mão, que deviam sair da frente de quem quer trabalhar e procurar emprego (…) Em nome da decência, voltem para casa do papai, seus medíocres. Vão para o porão da mamãe brincar de Lords Of Warcraft (…) talvez nossos militares consigam botar razão na sua cabeça. Só que talvez não deixem você ficar com o iPhone.”

 

Maniqueísmo assumido

Para espanto dos liberais modernos de plantão, que defendem que só pode haver artistas comprometidos com a política de esquerda, Frank Miller não só deixa clara a sua bem-vinda posição conservadora, como ainda manda um recado para os terroristas, arruaceiros, anarquistas e demais elementos subversivos que povoam o mundo, mostrando, nas páginas de Holy Terror, como eles devem ser tratados: entreguem-se ou morram. Holy Terror será o gibi mais lido em Guantánamo.

A premissa é bem simples e propositadamente maniqueísta: o herói The Fixer protege uma Nova York fictícia, de terroristas islâmicos que pregam a destruição e difundem o terror.

Não há espaço para sutilezas, os vilões são claramente identificados como notórias figuras políticas que frequentam o noticiário internacional, e os desenhos bastante simplórios e repletos dos maneirismos de Frank Miller parecem reciclar tudo que já vimos antes em trabalhos anteriores, principalmente em 300 (outro trabalho igualmente político, disfarçado de mitologia). São tantos desenhos mostrando o solado das botas que fiquei me perguntando por que ele não aproveitou para colocar uma propaganda de calçado esportivo e faturar mais algum.

Holy Terror não é comparável com seu material antigo, seja como ilustrador (Demolidor, Batman Cavaleiro das Trevas), ou como roteirista (Elektra Assassina, Give me Liberty, Hard Boiled), mas vale pela provocação explícita e por um posicionamento político que estava fazendo falta nos quadrinhos.

O mais interessante é que Frank Miller tomou o cuidado de fazer um álbum de quadrinhos ao gosto dos fregueses modernos: grande e caro. Espero que ele possa ser visto na Vila Madalena, em alguma dessas estantes de design assinado.

 

 

Holy Terror

Frank Miller

Legendary Comics

US$16,90 (variável)

 

* * *

Franklin Ruão (aka Sargento Mad Dog) é produtor de televisão e sabe tudo de HQ. Se ele fosse um dos Watchmen, seria o Rorschach.

Fale com ele: frank_ruao@yahoo.com.br

 

 

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