Ano VII

Sherlock Holmes 2

sexta-feira jan 13, 2012

Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras (Sherlock Holmes: A Game of Shadows, 2011), de Guy Ritchie

Assim como no primeiro filme de Guy Ritchie que se apropriou do personagem de Sir Arthur Conan Doyle, é perda de tempo procurar o que resta da literatura do escocês no cinema de Ritchie. Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras, como sintomaticamente definiu um amigo crítico de cinema após a exibição do filme à imprensa, poderia se chamar A Identidade Holmes ou James Holmes, em referência à franquia com Matt Damon ou a do agente 007.

Quem for a O Jogo de Sombras procurando um resquício da elegância da escrita de Doyle no desenrolar do mistério na trama vai encontrar um filme de Guy Ritchie. Ou seja, aventura de estética cartunizada, com pitadas de humor e alguma porradaria.

E não há novidade alguma nisso, pois O Jogo de Sombras é igualzinho ao primeiro filme. Como não há a surpresa causada em 2009 pelo olhar pop de Ritchie ao inspetor de Coyle, a sequência tenta compensar inserindo novos personagens – sim, isso se tornou uma condição sine qua non de qualquer franquia.

Cópia infiel

Jamais irá se dissipar a tenção quando o assunto é a apropriação de livros-pilares da literatura mundial. Existirão os que enxergam no que Guy Ritchie fez em Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras uma bem-vinda reinvenção do personagem e os que condenarão o desvirtuamento do astuto inspetor que abandona a dedução e o cachimbo, partindo para a porrada se necessário.

Dependendo do filme – e de quem o observa – a questão pode ficar ainda mais séria. Por que não dizer que é criminoso o que Hollywood fez com a obra de Jonathan Swift na adaptação recente As Viagens de Gulliver? Ou o novo Os Três Mosquteiros 3D, algo como Missão Impossível vai ao Século 17?

No caso dos dois filmes de Ritchie, me parece mais complicado queimá-lo vivo e alcunhá-lo de bruxo ou simplesmente defendê-lo como um autor apenas preservando seu estilo. Pode-se dizer que ele reinventou o personagem ao colocá-lo num filme de ação ambientado pouco antes do começo da Primeira Guerra Mundial. Assim como é aceitável dizer, que por outro lado, o filme não é reinvenção alguma, pois lá estão todos as convenções de um filme de ação que se pretende descolado.

Defender que a produção artística depende de apropriações, citações e novos comentários sob outras perspectivas é tão verdade quanto simplesmente apontar que Ritchie reinventou para apenas manter, pois o contrato que o espectador assina ao entrar no filme é o mesmo de qualquer blockbuster de ação: o mundo explodirá à sua frente, na tela de cinema, mas o espectador está reconfortado por não sofrer com as desventuras de Holmes e saber que, no final, tudo ficará bem.

A diferença de Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras para o restante das “releituras” de clássicos feitas em 2011 é que Guy Ritchie faz direitinho o que tem de fazer: um filme tão divertido quanto vazio. E não é isso que se entende por entretenimento? Prazer com hora marcada para começar e para terminar.

Então quais são os defeitos?

Os mesmos de qualquer blockbuster: trata-se o espectador como um ser desprovido de articulação. A repetição das mesmas incoerências levam a uma conclusão óbvia: não se trata de erro, mas de uma infeliz escolha e de um entendimento compartilhado – independente do estúdio, do produtor ou do diretor – que o público está mais burro e menos disposto a deduzir do que décadas atrás.

Senão, qual é a justificativa para o roteiro mastigar todos os mínimos detalhes e impedir que o espectador exercite o Tico e o Teco? Por que é preciso prover o espectador da possibilidade da dúvida quanto a quem é Moriarty, o grande vilão?

A opção por explicar uma, duas e até três vezes a mesma coisa – o que é comum dos blockbusters, cada vez mais medrosos e com um custo de lançamento cada vez maior a ser coberto pela bilheteria e por licenciamento de marca – interfere em apreciar o que Sherlock Holmes: O Jogo de Sombras.

Stephen Fry como o irmão mais velho do inspetor é pura diversão. Sem pudor, ele vai sem medo rumo a uma auto ironia. Ou outra cena brilhante, em que Moriarty praticamente tem um orgasmo ao ouvir Schubert e praticar a tortura. Com uma sequência dessas, qualquer outro ti-ti-ti explicativo não passa de enrolação.

Em cenas assim – e O Jogo de Sombras tem algumas – é onde está o cinema. Mas Hollywood luta mais e mais para derrubar o que ainda resta de cinema nos blockbusters.

Heitor Augusto

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