Ano VII

Esquema noise

terça-feira nov 29, 2011

Texto: Alexandre Carvalho dos Santos

 

Tem um tempinho já, um raro prazer de viajar mais de uma hora para o batente era ler no ônibus. Outro era ter uns tantos minutos a sós com seus próprios pensamentos. Até lamentava quando um colega subia na mesma linha; a boa educação mandava inventar um assunto, trocar trivialidades, falar sobre os times de ambos… enfim, fechar o livro, parar a reflexão.

Entre as idas e vindas do centro ao Jaraguá, li as 509 páginas de Contos Norte-Americanos – Os Clássicos, compilação feita por Vinícius de Moraes – cada conto traduzido por gente do naipe de Rubem Braga, Monteiro Lobato, Décio de Almeida Prado, João Cabral de Melo Neto. Os contistas? Mark Twain, William Saroyan, John dos Passos, Fitzgerald, Poe, Faulkner… Entrou fácil para a prateleira de melhores leituras de uma vida.

Então no ônibus eu tinha o cuidado de nunca começar um novo conto se o ponto de descida fosse chegar antes do fim. Foi assim também com os capítulos de Hamlet – Poema Ilimitado, do crítico Harold Bloom, que, como define o New York Times, fala da importância de Shakespeare para a nossa ideia de quem somos. Assino embaixo.

Com Mrs. Dalloway, a aflição foi maior, porque o romance moderno de Virginia Woolf (tradução luxuosa de Mário Quintana) não tem divisões. Era torcer para não estar no meio de um fluxo de sentimentos e contradições de sua protagonista. E eles estão em toda parte. Como o livro é pequeno, porém, a aflição não deve ter sido muita… não lembro bem.

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Mas tais prazeres, assim como o bonde e a cartola, já estão nos verdes campos da nostalgia. Não sei se é assim em outras cidades, mas em São Paulo não dá mais para ler no ônibus. A não ser que você vá armado com protetores auriculares dos mais eficientes. O aviso sobre a proibição do uso de aparelhos sonoros parece que nem está ali, e é um tal de funk carioca, pagode mela-cueca, sertanejo de manga justinha… – não, ninguém ouve Chet Baker no coletivo. E o cobrador, que quer mais é que o dia passe rápido, nunca faz a lei valer. Pode ser que até goste do barulho que se sobrepõe às buzinas e aos escapamentos. Talvez nem seja responsabilidade dele, não pesquisei.

No começo, achei que dava azar, que o meu horário (sete e pouco da manhã) pudesse ser escolha comum entre os inimigos da paz alheia. Aos poucos, percebi que o desrespeito é, pelo menos, municipal. E não tem hora.

Antes não era assim. Provavelmente tem a ver com a recente facilidade de acesso aos aparelhos portáteis multiuso, que ainda chamamos de celulares. O fato é que, apesar dos mais inteligentes sempre defenderem o uso do transporte coletivo em detrimento do individual, suspeito que a maioria fale sem conhecimento de causa. Passar uma hora em pé, num ônibus lotado, ao som de 38 hits da Cláudia Leite, pode ser a suprema experiência antropológica para os politicamente corretos – que andam se multiplicando como coelhos satânicos por aqui. Mas duvido que a viagem dê a mesma satisfação a quem é obrigado a encará-la todos os dias – ida e volta. Quase sempre combinando o desconforto físico à tortura mental.

Aí reclamam que a cidade tem muito carro.

 

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Por que São Paulo ainda vale o seu sofrimento…

Por causa do Giramondo Caffé, perto da República, lugar de cafés ótimos e criativos. Isso, me dizem, porque não tomo café. Mas lá tem o melhor chocolate quente, que está mais para um creme que para uma bebida – tanto que os atendentes gente fina te dão uma colherinha para melhor aproveitar o doce. E tem também pães na chapa com coberturas de frios. E tem um bolo de pistache com limão de arruinar qualquer esforço de última hora por um 2012 mais esguio.

Donde? Rua Marconi, 19, esquina com a 7 de Abril.

 

Alexandre Carvalho dos Santos é jornalista e crítico de cinema, já morou no Parque Continental, na Vila Gumercindo, em Moema e na República, e quer mudar de novo.

Fale com ele: acarvalho2802@gmail.com

 

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