Ano VII

Van der Graaf Generator

terça-feira nov 29, 2011

 Por Sérgio Alpendre

Como classificar esta banda sui generis de Manchester, que não era levada nem pela guitarra nem pelos teclados, mas por um sax distorcido e um vocalista raivoso? Progressivo eclético, como faz o site ProgArchives? Não me parece a melhor opção. Prog rock é um certo reducionismo (e não devia ser, caso seguissem o conceito original do termo, progressista em vez de progressivo). Talvez seja melhor chamar apenas de rock. Ou melhor, de música. De grande música. Imortal.

A banda de Peter Hammill está longe de ser unanimidade entre os proggers, o que fortalece a retirada de tal rótulo. Por outro lado, Johnny Rotten, bastião punk e homem de frente do Sex Pistols e do P.I.L., era fã de um dos discos solos de Hammill (Nadir’s Big Chance).

É, chamar de música, já que é necessário chamar de alguma coisa, deve ser a melhor saída. E a mais justa também.

Preparem-se então para entrar no mundo mágico, fascinante e também torturante do Van der Graaf Generator.

Aerosol Grey Machine (1969)

Originalmente um álbum solo de Peter Hammill, AGM acabou sendo creditado à recém formada banda Van der Graaf. A sonoridade, contudo, mantém uma cara de projeto solo de um cantor folk, e seria retomada em álbuns solos de Hammill, como Chameleon in the Shadow of Night (1973). Hammill é tão bom que até quando se aproxima de um som de porta de faculdade, com o violãozinho proeminente, faz algo grande com o material. Uma excelente estreia de uma das bandas fundamentais do rock progressivo. No CD está incluso o ótimo primeiro single, gravado em 1968.

Destaques: Afterwards, Aquarian, Into a Game.

The Least We Can Do is Wave to Each Other (1970)

O sax distorcido de David Jackson (recém-chegado à banda) briga com a bela voz de mulher enraivecida de Peter Hammill. O teclado de Hugh Banton serve como cama para as declamações sentidas deste cantor formidável. A bateria de Guy Evans parece estar para dentro, quase escondida, e quase não há guitarras elétricas. O baixo de Nic Potter parece um vulcão prestes a entrar em erupção, sempre ameaçador. Essa é a sonoridade de uma banda especial, única dentro do cenário progressivo. São seis faixas, só uma delas abaixo dos seis minutos, a última acima dos onze minutos. Letras desesperadas e com um traço místico contribuem para essa força impressionante da banda, que já chega a seu segundo LP fazendo música irrepreensível.

Destaques: Darkness (11/11), Out of My Book, After the Flood.

H to He, Who Am the Only One (1970)

Mais uma obra máxima da banda comandada por Hammill e assombrada pelo sax nervoso de David Jackson. A faixa de abertura, “Killers”, é uma das mais cultuadas de toda a carreira da banda, presença obrigatória em qualquer show. Robert Fripp participa com sua guitarra da terceira faixa, “The Emperor in His War-room”. Mais uma obra-prima consumada. É sacanagem colocar três destaques num disco de cinco faixas, mas não vai ter jeito.

Destaques: Killer, House With No Door, Pioneers Over C.

Pawn Hearts (1971)

Três faixas que só devem existir em sonho compõem o disco mais perfeito do rock progressivo. Uma aula de música instigante, feroz, caótica, poética e incrivelmente tocante pelas letras e pela interpretação de Hammill. Fecha uma trilogia existencial e metafísica que está entre os grandes momentos da história da música. E diante de tudo isso, o melhor que faço é deixar que o ouvinte (re)descubra o encanto.

Destaque: tudo, até o cheiro do livreto ou do vinil.

Godbluff (1975)

Uma parada foi necessária após Pawn Hearts. Afinal, o que buscar após a perfeição? Godbluff surge assim após um período de experiências individuais de cada membro, sobretudo de Hammill, que lançou três de seus mais elogiados trabalhos no período (Chameleon in the Shadow of the Night, Silent Corner and the Empty Stage e In Camera). A formação é a mesma, mas a sonoridade é um pouco mais direta (ou menos rebuscada), sem as inúmeras fugas da trilogia clássica. Muitos o consideram o melhor disco da banda, o que indica que os anteriores, com sua loucura, dividem opiniões. Em quatro faixas bem equivalentes em qualidade, temos uma banda mais enxuta, mas menos incisiva que nos discos que vieram antes e depois. E como o disco só tem essas quatro longas faixas, nomearei apenas dois destaques: Scorched Earth, The Sleepwalkers.

Still Life (1976)

Sem dúvida é o melhor disco desta segunda etapa na carreira da banda. Desde o início, com a maravilhosa “Pilgrims” (que tem uma melodia paralisante de tão bela), o disco nos embala como um bálsamo, uma panaceia. As cinco faixas de Still Life estão entre as mais melancólicas da carreira da banda. É como se eles quisessem se aprofundar no lado mais lírico de Pawn Hearts, enquanto Godbluff pegava o lado mais energético. Esse lado mais lírico se torna também mais dramático, já que Hammill agora canta como um desesperado terminal, um desesperançado prisioneiro de sua condição de simples mortal.

Destaques: Pilgrims, My Room, Childlike Faith in Childhood’s End.

World Record (1976)

Este sétimo disco do VdGG marca uma nova mudança de sonoridade, que agora se torna ainda mais direta que nos dois últimos discos. Pode ser um reflexo do tempo de gravação (20 dias, bem menos que os 6 meses de Still Life). Pode ser também porque o sinfônico, o viajante e o cósmico estavam saindo de moda e encontravam resistência no mercado. “A Place to Survive” indica um caminho diferente, se aproximando de um Gentle Giant (fase Free Hand), com balanço e uma ginga que a banda nunca tinha demonstrado. Na longa “Meurglys III, The Songwriter’s Guild” tem até reggae, confirmando mais do que nunca o ecletismo de Hammil. “Wondering” encerra o disco de maneira lírica e tocante. Um disco estranho, escorregadio, que às vezes nos escapa. Mas é belo de uma maneira tortuosa.

Destaques: Wondering, Masks.

The Quiet Zone / The Pleasure Dome (1977)

Com a formação bem modificada (sem Jackson e Banton, perdas significativas), o nome encurtado para Van der Graaf e uma divisão dos lados (cada qual com sua capa) que sugere dois álbuns em um, a banda renasce novamente com um LP que tende a desagradar os fãs mais radicais de H to He e Pawn Hearts, mas que é de longe o mais eclético que a banda lançou – contando com a nova reencarnação. Faixas como “Cat’s Eye/Yellow Fever”, “The Wave” e “Lizard Play” são deleites para qualquer amante de música que não seja exclusivamente do rock progressivo. E servem como os destaques deste disco realmente eclético (e que justifica, não fosse o reducionismo do rótulo, a classificação de prog eclético dada pelo site ProgArchives).

Vital (1978)

O problema deste disco ao vivo é sua sonoridade de radinho de pilha. Em vinil é bem melhor, mas não o suficiente para que a música do VdGG seja absorvida com todo seu potencial.

Time Vaults (1982)

Gravações caseiras toscas servem para lembrar-nos da capacidade imensa de Hammill para compor belas melodias. Mas é difícil de se escutar até o fim.

Present (2005)

Curioso como este disco, ao mesmo tempo em que parece refletir anos e anos de carreira solo e projetos diversos dos membros da banda, retoma uma sonoridade que vem diretamente de Godbluff e Still Life. Em Present estão dois CDs: um com seis composições inéditas, outro com improvisos no estúdio. A cada audição é um deles que se sobressai, numa das voltas mais animadoras do mundo do rock.

Real Time (2007)

Eis o único registro ao vivo oficial da formação clássica do VdGG, de um show de retorno, em 2005, no Royal Albert Hall. São dois CDs que totalizam mais de duas horas, incluindo aí o lado A do magistral Pawn Hearts na íntegra e três quartos de Godbluff, além de outros clássicos. O fato de que Hammill escorrega feio nos falsetes diminui o poder de suas composições antigas.

Trisector (2008)

Esqueça a introdução estranha com “The Hurlyburly”. “Interference Patterns” é o cartão de visitas do disco. Intrincada como a segunda parte de Present. “The Final Reel” apresenta a segunda grande faceta da banda, a balada melancólica. E “Over the Hill”, a grandiosidade épica. Tem ainda a quebradeira genial da gentlegiantiana “All That Before” para desestabilizar ainda mais as coisas. Apesar do sax gago de David Jackson ser uma triste ausência e de algumas irregularidades, Trisector, em 2008, era mais um sinal de que a banda estava viva e forte.

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