Ano VII

Trem Noturno

segunda-feira nov 28, 2011

Trem Noturno (Pociag, 1959), de Jerzy Kawalerowicz

Quem se depara com este filme de Kawalerowicz começado, sem tomar conhecimento de sua ficha técnica, pode pensar: “uau, é um filme de Walter Hugo Khouri com atores desconhecidos e dublado em uma língua esquisita”. É que Trem Noturno compartilha com o universo do diretor de Noite Vazia a mesma atmosfera noturna, intimista e jazzística, daí a semelhança. Com um pouco mais de tempo, o espectador lembra de outras referências, que encobrem a ligeira semelhança com Khouri: Bergman nos anos 1940, Antonioni nos anos 1950, os primeiros filmes de Andrej Wajda, sobretudo pela presença do James Dean polonês, Zbigniew Cybulski.

Kawalerowicz é o principal nome da nouvelle vague polonesa ao lado de Andrej Wajda. Só que este último continuou com prestígio nos anos 1970, tornando-se conhecido do público entusiasta de cinema europeu. Kawalerowicz teve certo culto até meados dos anos 1960, principalmente por causa da obra-prima Madre Joana dos Anjos (1961) e do grandioso Faraó (1965). Continuou realizando filmes, embora sem muita regularidade, até 2001, quando seu novo épico de três horas de duração, Quo Vadis, foi lançado. Morreu em 2007, esquecido e fora das listas de melhores diretores que pululam por aí.

Trem Noturno se passa todo durante uma viagem de trem para a costa do Mar Báltico. O trem como microcosmo da Polônia (ou da Europa?), que à época estava se livrando do fantasma do stalinismo, que perdurou durante treze anos no país. Os passageiros que conhecemos no trem estão perdidos, escondem vergonhas do passado. São passageiros traumatizados por algo que fizeram ou com algo que sofreram.

Kawalerowicz realizou um filme sombrio com uma trilha de bar para quarentões. Nos belíssimos planos, predominam as sombras, que compartilham a dor dessas pessoas solitárias, entre os quais uma mulher casada (e que parece, pelo desespero em encontrar um homem mesmo com o marido no trem, a mais solitária de todas). No trem, um assassino. Sua captura é um dos momentos mais intensos do filme: seu rosto implorando perdão, ou mesmo um entendimento do que fez.

No final da viagem, as pessoas se dispersam, mas o trem continua lá, testemunha ainda mais solitária de uma noite de desejos, frustrações e arrependimentos.

Sérgio Alpendre

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