Ano VII

Friedkin – Antes da Operação

sexta-feira fev 24, 2017
boysintheband

The Boys in the Band

William Friedkin antes da operação

Por Sérgio Alpendre

Figura emblemática da chamada Nova Hollywood, William Friedkin é lembrado quase sempre por cinco grandes filmes: Operação França (1971), O Exorcista (1973), Sorcerer (1977), Parceiros da Noite (1980) e Viver e Morrer em L.A. (1985), sem dúvida os melhores e mais acabados que realizou. Nenhum de seus outros filmes se iguala a esse quinteto, representativo do que de melhor se fez nesse período no cinema americano. Nem mesmo os outros filmes realizados entre 1971 e 1985 conseguem a façanha. Mas ao menos dois dos anteriores chegam perto (falaremos ainda deles), o que faz com que dos diretores mais comumente e naturalmente associados à Nova Hollywood, ou seja, dos alunos que a compuseram após o magnífico empurrão de Arthur Penn, Sam Peckinpah, Robert Aldrich, Richard Fleischer e outros, Friedkin é sem dúvida o que começou a fazer primeiro filmes impressionantes, quase grandes filmes, o que amadureceu antes. Por isso a tarefa deste texto é apenas parcialmente ingrata: passar pelos filmes não tão bem sucedidos de Friedkin até, mas não incluindo, o seu amadurecimento definitivo com Operação França. Fica para uma outra oportunidade a revisão de seus filmes lado B do período posterior à fama, com os fiascos que se seguiram desde meados dos anos 1980, quando se configurou gradualmente que Friedkin não estava no mesmo nível de seus pares mais famosos de Nova Hollywood (Scorsese, De Palma e Coppola). Amadureceu antes, decaiu antes também. Este breve texto, então, pouco mais que um rascunho, vai se concentrar em seu primeiro momento cinematográfico, de quatro longas: de Good Times (1967) a The Boys in the Band (1970).

Nesse sentido, é curioso ver como Friedkin deu o pulo de diretor de TV para diretor de longas para cinema. Foi justamente com um veículo para o casal pop Sonny & Cher que isso aconteceu. O longa, Good Times (1967), nada mais é do que uma sucessão de esquetes derivadas dos filmes de Elvis, de Annete Funicello com Frankie Avalon e, claro, dos filmes dos Beatles que vinham do outro lado do Atlântico. Seu companheiro de Nova Hollywood, Francis Ford Coppola, já havia tentado um veículo desses com o não tão fracassado You’re a Big Boy Now (1966), com ajuda da banda Lovin’ Spoonful, embora eles sejam muito mais músicos da trilha do que atores (a participação deles é mínima), e outro diretor importante daquele momento, Bob Rafelson, faria o filme pop definitivo da época com Head (1968), aproveitando muito bem os Monkeys (que além de tudo são melhores músicos, pensando de uma maneira mais ampla, que todos os acima citados). Dos veteranos, Alexander Mackendrick não se deu muito bem com Don’t Make Waves (1968), um veículo para as músicas dos Byrds. Se Head é o melhor desses filmes que exploravam a música pop dos anos 60, Good Times é bem possivelmente o pior. Não só porque Sonny e Cher como músicos são uma piada (“I’ve Got You Babe”, de 1965, foi o único e merecido grande sucesso da dupla, e não está no filme, ao menos na versão consagrada), mas porque Friedkin se submete de maneira um tanto impensada ao tipo de nonsense em voga na época, o que raramente funcionava (principalmente quando não se era um gênio da atuação e da direção como Jerry Lewis). Sonny recebe um convite para que eles façam juntos um longa-metragem. Apesar do ceticismo de Cher, Sonny vai adiante com o projeto, mas toda ideia que tem para o filme fracassa por sua falta de jeito (não serve como cowboy, Tarzan ou detetive; não serve para nada no cinema). Essa história fragmentada e frouxa, que abre espaço para gags que raramente funcionam, é ainda prejudicada pela ausência total de carisma da parte de Sonny Bono (que o enorme carisma de George Sanders como o dono de estúdio e vilão das histórias imaginadas por Sonny não consegue compensar). Mas permite que Friedkin se exercite para futuros longas mais ambiciosos.

É o que acontece com The Birthday Party (1968), uma adaptação de Harold Pinter com roteiro do próprio, filmada na Inglaterra e com presença de Robert Shaw no elenco. Na verdade, The Birthday Party foi lançado um mês antes de Quando o Strip-Tease Começou, mas foi filmado depois, na Inglaterra, enquanto o anterior era montado com supervisão do produtor Norman Lear. Faz sentido essa ordem de filmagem (no lugar da habitual ordem de lançamento , a do imdb), uma vez que, no tom e no gênero, The Birthday Party está muito mais próximo de The Boys in the Band, assim como Quando o Strip-Tease Começou está mais próximo de Good Times. Podemos dizer então que a segunda comédia musical de Friedkin é bem melhor que a primeira, e que o segundo teatro filmado é bem melhor que o primeiro, dando uma noção da progressão de Friedkin como cineasta. Podemos dizer também que após dominar a comédia ele tentou dominar uma representação mais densa, mais de acordo com a época, e para isso precisou novamente de um ensaio para aquele longa que, de fato, aconteceu (Friedkin, no entanto, declarou em sua autobiografia que The Birthday Party foi o primeiro filme que ele realmente quis fazer).

Pinter tem uma dureza típica dos anos 60, uma dureza que Friedkin não conseguiu adaptar para o cinema plenamente. Em muitos momentos, seu filme se assemelha a um novato de televisão tentando filmar uma peça. Em outros, os melhores, mergulhamos na vanguarda típica da época, como no jogo da cabra cega. No conjunto, a aspereza da trama que fala de manipulação e submissão com jogos mentais aflitivos e cruéis parece em desacordo com a mise en scène um tanto mirabolante, embora seja preciso reconhecer o avanço de Friedkin nesse aspecto, com alguns movimentos de câmera que antecipam a maneira como Fassbinder filmou Ibsen (em Nora Helmer, curiosamente um filme para a TV, e justamente um filme em que o estilo de Fassbinder cai muito bem).

Melhor mesmo é Quando o Strip-Tease Começou (The Night They Raided Minsky, 1968), cujo grande elogio que se pode fazer é que parece algo como um Cukor fazendo filme de época no final dos anos 60. E é o filme que comprova o avanço de Friedkin no manejo com a câmera, uma vez que foi filmado antes. Britt Ekland anda pelas ruas de Nova York e a câmera a acompanha, assim como persegue as dançarinas no palco, e a dupla de comediantes composta por Jason Robards e Norman Wisdom. A mescla de comédia e musical é muito melhor dosada que em Good Times, a contar com atores de primeira ajuda bastante. Somente no final o filme derrapa um pouquinho. Porque não dá para entender muito bem a reação de Jason Robards após a performance de Ekland. Essa dupla havia protagonizado uma das melhores cenas do filme, quando Ekland, à espera de algum sinal de que aquele era o homem certo, vê com espanto e alegria a cama escondida cair da parede (momentos antes havíamos visto que ela caía com facilidade, provavelmente por causa de alguma mola estragada).

The Boys in the Band, ou Os Rapazes da Banda, é o amadurecimento definitivo de Fridkin, dois anos antes de Coppola (com O Poderoso Chefão), três antes de Scorsese (Caminhos Perigosos) e De Palma (Irmãs Diabólicas). Mais uma vez é a adaptação de uma peça de teatro cujo texto qualquer diretor mais ou menos transformaria num filme digno, precisaria caprichar bastante para estragar. Desta vez, uma peça explosiva de Mart Crowley, encenada em 1967, que captava o modo de vida de gays novaiorquinos de diferentes temperamentos e personalidades, com diferentes ambições e traumas. Apesar da tentativa de se atingir uma normalidade, a sociedade ao redor ainda é muito dura e preconceituosa para que as ações deles sejam verdadeiramente naturais, e eles sentem esse empecilho, e sofrem com isso. Esse entrave fica evidente quando um paciente do psicanalista Michael aparece numa festa de aniversário que este último oferece ao amigo Harold. Esse paciente será o único heterossexual no recinto, e aprenderá com aquele grupo, tão diferente do que sua formação e construção social permitia entender, a se abrir com a esposa e dizer que a ama (o casamento estava em crise, o que deu brecha para Michael clamar por uma saída do armário). Apesar da lavagem de roupa suja e de um tom manipulador e cruel de alguns personagens quando movidos à álcool, nenhum deles é tratado negativamente. Todos têm seus valores, e não são mostrados como vítimas indefesas. Pelo contrário: eles sabem muito bem se defender, sobretudo intelectualmente. A direção de Friedkin é mais contida, respeitando o tempo dos atores e dos conflitos que se acumulam até o final angustiante.

Dez anos depois, Friedkin seria acusado de homofobia pelo retrato da comunidade gay novaiorquina de Cruising, seu melhor filme. Mas em 1970, justamente com um filme de temática gay, mostrava que podia finalmente dar o salto definitivo para o time A, dos vencedores de Oscar (que, na época, não era uma premiação tão patética quanto é agora).

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