Ano VII


No topo da Cradle Mountain

Aperto o “play”, e a história recomeça. Saímos do extremo norte e seguimos de volta rumo a Hobart. Muito mais do que um simples regresso, grandes experiências aconteceriam nesse trajeto.

Escrever sobre essa parte da viagem remete a uma divisão. O grupo foi dividido em dois, de forma que, enquanto nós fomos para Arthur River, eles preferiram ficar e comer lagosta. E essa foi a primeira vez que os trailers se separaram.

Lado A e Lado B. A explicação para esta cisão no grupo tem a ver com o tipo de viajante de cada grupo: nós, com o desejo de aproveitar cada pequeno metro-quadrado da ilha, e eles querendo descansar, recarregar as baterias após um ano inteiro de muita ralação. As tentativas de minimizar a separação foram em vão, nenhum dos lados aceitava ceder ou encontrar um meio termo. Esta situação nos acompanhou por todo o resto da viagem, e assim partimos rumo a Cradle Mountains.

O céu cinza, clima chuvoso e uma imponente montanha despontando no horizonte foi o cenário do nosso cartão de boas-vindas. Após seis dias entre algumas das praias mais lindas do mundo, desembarcamos no Echo Point (Centro de Informações do Parque Nacional Cradle Mountain – Lake St Clair) de bermuda, chinelo e óculos escuros. Quando olhamos ao redor, percebemos o quanto destoávamos do resto das pessoas que ali estavam: todos muito bem equipados portando capas de chuva, mochilas, sapatos e roupas próprias para longas caminhadas. Pareciam integrar alguma expedição da National Geographic. Ainda meio deslocados e vestidos no estilo “surfista perdido na montanha”, fomos pedir informações sobre trilhas, e ouvimos de uma funcionária do parque uma desconfiada recomendação: “Caso queiram chegar ao topo da montanha, vocês devem se equipar melhor!”

Improvisamos nosso figurino com o que tínhamos: calça jeans, várias camadas de casacos, bem ao estilo “cebola e tênis”. Àquela altura já eram 11 horas da manhã, pegamos um ônibus para economizar alguns quilômetros de caminhada até a base da montanha e iniciamos a jornada ao distante cume da Cradle Mountains. Um indício de socialização entre o Lado A e Lado B apareceu quando um dos nossos ficou e outro, do carro deles, nos acompanhou. E assim partimos para oito horas (ida e volta) de trilha.

 

A trilha…

Escalando as pedras

… começava no lago Dove, 900 metros acima do nível do mar, enquanto o nosso destino estava a mais de 1.600 metros – e, até aquele momento, escondido atrás de nuvens espessas. Após a primeira hora de trilha, avisei que talvez não segurasse o tranco, os hábitos boêmios influenciavam diretamente o meu desempenho de trilheiro. Não resisti, fizemos uma pausa para um cigarro e, com meus pulmões devidamente aquecidos, continuamos a subida. Após quase duas horas, chegamos ao Marions Lookout, a 1.200 metros. Naquele ponto, decidimos que chegaríamos ao cume de qualquer maneira – o visual já era incrível, mas nossa imaginação desejava estar lá em cima; apertamos o passo e continuamos. Passamos pelo Kitchen Hut, lugar para momentos críticos, como neve, escuridão ou contusões e último abrigo antes topo. Paramos, tomamos água e fomos em direção à parte final e mais difícil do trajeto: o ponto mais alto da montanha.

Até aquele momento, estive com uma máquina na mão e outra pendurada no pescoço. Ao deparar com um homem que descia do topo, ouvi que, a partir daquele ponto, seria prudente ter as duas mãos livres. Segui o conselho e, com dor no coração, guardei minhas máquinas – perdi várias fotos, mas foi um bom conselho.

Foram mais duas horas cansativas e tensas. Quando chegamos, esgotados, não falamos nada, não comemoramos, apenas contemplamos a imensidão que víamos lá de cima. Nunca havia entendido muito bem qual era a sensação e a graça de subir em um lugar, admirar o visual e descer no instante seguinte. A resposta para essa questão foi dada naquele momento: o sentimento de conquista, de objetivo cumprido e o estonteante visual. Após alguns instantes, nos abraçamos e tivemos aquele momento eternizado pelas mãos de um futuro amigo, que sozinho admirava a vista privilegiada.

O paraíso fica na Tasmânia

Iniciamos o retorno em ritmo acelerado, tínhamos aproximadamente três horas até o Dove Lake, onde pegaríamos o último ônibus de volta para o Echo Point. O retorno foi um tanto silencioso, como se pensássemos na experiência que tivemos. De volta ao local onde nossa casa móvel estava estacionada, compramos apenas uma cerveja para cada um do grupo, já que o preço era o mais absurdo das nossas vidas. Brindamos à conquista e fomos descansar, mas, antes de dormir, recebemos a visita do novo amigo que fizemos lá nas alturas, nascido em Uganda e radicado em Los Angeles, com seus dreadlocks, sorriso fácil e papo tão cativante que foi impossível resistir a uma caixa da cerveja que ele trouxe para nós. Eis o nascimento de uma grande amizade.

Pela manhã, continuamos nossa viagem rumo ao sul. Essa seria a parte mais longa de toda a road trip, mais de 400 km, e aproximadamente seis horas de estrada. Nosso destino final era a Ilha Bruny, localizada a 30 quilômetros de Hobart. Famintos, paramos em Oatlands, uma vila histórica, considerada uma das mais conservadas da Tasmânia, antes próspera e

Bruny Island

geopoliticamente importante (por estar no meio do caminho entre Launceston e Hobart), tornou-se apenas uma pacata cidade com menos de mil habitantes – e uma viagem de volta ao passado. Infelizmente, tínhamos pouco tempo, já era final de tarde, não sabíamos ao certo como seriam os próximos passos e não pudemos conhecer Oatlands um pouco mais.

Chegamos à capital da Tasmânia às 19h30 e, tão logo nos abastecemos de suprimentos, fomos em direção à cidade de Kettering, local da balsa que nos levaria na manhã do dia seguinte para Bruny Island. Achamos um terreno próximo a uma pista de skate, com duas churrasqueiras cobertas, e por lá ficamos. Fizemos um churrasco, todos juntos, e dormimos cedo. Pegaríamos a primeira balsa do dia às 6h35.

Aportamos na ilha e dirigimos até a Adventure Bay Road, de onde partiriam os barcos do Pennicott Wilderness Journeys, para um passeio aclamado como um dos 100 melhores do mundo pela revista Travel + Leisure. As fotos, os prêmios e outros tantos argumentos não convenceram “eles” a nos acompanhar. Preferiram poupar dinheiro e foram para uma fazenda de frutas vermelhas.

 

Enquanto isso nas águas do Oceano Antártico…

Friars Island

Em um barco para 50 pessoas, comandado por uma tripulação empolgada e cheia de informações interessantes, estávamos felizes com o que víamos: enormes falésias, belas cavernas e um pouco de tristeza pela cisão do grupo. A beleza do relevo e da flora local já era encantadora, mas o cenário ficou completo quando avistamos centenas de focas, algumas nadando enquanto outras descansavam camufladas nas pedras da Ilha Friars. Foi emocionante! Depois de tudo, tenho certeza que pagaria o dobro dos AU$110 (dólares australianos) cobrados pelo passeio.

Durante o percurso, um dos membros da tripulação nos avisou que a ilha é um local repleto de wallabies albinos. Tentamos achar o raro e pequeno canguru em seu habitat natural por uma região que é um dos refúgios desse marsupial, mas sem sucesso. Resolvemos voltar e, de repente, vimos um ponto branco contrastando com o verde da grama: lá estava o tal wallaby albino, que muito lembra um “coelhão”. Pegamos gosto pelo novo método de ver os animais, longe de zoológicos ou cercas, sem precisar pagar, mas também sem ter a certeza de encontrá-los. Ótima maneira de encerrar nossa passagem por Bruny Island.

Port Arthur

Mais um dia e o nosso destino era Port Arthur. Tempo nublado, garoa e um vento frio combinaram muito bem com o nosso estado de espírito. As baterias estavam acabando, mesmo assim enfrentamos mais uma trilha, mais fácil: apenas meia hora de caminhada até o mirante de onde conseguíamos avistar Shipstern Bluff, uma das ondas mais temidas e impressionantes do mundo. Com o mar flat, não vimos a força daquelas ondas, mas admiramos a formação rochosa que lembra a proa de um barco.

De volta aos trailers, mais uma vez divisão dos grupos: “eles” queriam ir a uma fábrica de chocolate e ver os famosos diabos da tasmânia, enquanto “nós” só pensávamos em nos adaptar novamente à civilização, aproveitando a vida noturna de Hobart.

Com a nova separação, fomos em direção a Hobart sem o poderoso GPS e esquecemos de algo mais importante ainda: gasolina. Rodamos por quase 20 quilômetros na reserva do tanque e já nos preparávamos para dormir no acostamento da estrada quando avistamos um posto de combustível. Fechado! Batemos na porta do vizinho e descobrimos que o dono morava na casa nos fundos do posto. Fomos recebidos por um senhor com cara de poucos amigos, mas que abriu o posto só para que pudéssemos abastecer. A noite já tomava conta do céu e ainda tínhamos mais uma hora de estrada até Hobart.

Brinde em Hobart (na foto, Bia, Fofão e Ari)

Quando chegamos à nossa última parada, estávamos sedentos por uma comemoração, e fomos em direção ao Salamanca Square, o quarteirão boêmio da cidade. Como já era quase meia-noite e os bares e baladas desse lado do mundo fecham muito cedo, ficamos apreensivos. No instante em que passávamos pela porta de vidro do Cargo Bar, ouvimos o segurança nos chamando, e pensamos: “missão cerveja cancelada”. Mas, para nossa surpresa, ele queria apenas falar que me reconheceu do The Falls Festival e que tínhamos entrada garantida apesar do bar estar próximo de encerrar as atividades. Após 2.200 quilômetros rodados, 14 cidades, esse seria o final perfeito para nossa road trip ao redor da Tâsmania.

Finalmente realizamos o último brinde a uma das viagens mais especiais das nossas vidas. Festival de música, praias paradisíacas, trilhas, escalada, animais selvagens, degustação de vinhos, uma cidade à venda e, como bonus track, no dia seguinte, visitamos o MONA (Museum of Old and New Art), galeria particular do apostador profissional David Walsh, com uma coleção eclética e um cuidado especial na apresentação das obras, que vão desde múmias egípcias a modernas instalações interativas, tendo a temática sexual presente em várias alas da galeria. Como o próprio dono definiu: “uma Disneyland subversiva para adultos”.

Depois dessa aventura, reunidos ou divididos em dois grupos, voamos de volta para Sydney. E, finalmente, todos juntos, mas cada qual com sua bagagem…

 

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Marco Estrella é fotógrafo, escritor e encara uma trilha numa boa, desde que a paisagem e a companhia valham a caminhada.

 

Fale com ele: estrella.marco@gmail.com

E leia o blog: www.circulando.tur.br

 

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Quer ver mais das paisagens tasmanianas? Confira a galeria abaixo, sempre fotos de Marco Estrella. Clique nas fotos para ver tudo em tamanho grande.

Cradle Mountain

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Amizade nova no topo da montanha

 

A vista de cima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Bruny Island

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Friars Island

 

Natureza livre em Friars Island

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Friars Island

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outlands

 

Arco-íris em Outlands

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Obra do MONA

 

Mais MONA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Do lado de fora do MONA

 

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Mais Circulando:

- Expedição Tasmânia

- Festival na Tasmânia

- Movember – O mês do bigode

- Tudo junto e misturado

 

Bay of Fires

Dois mil e duzentos quilômetros rodados, 14 cidades e um brinde especial com quatro das onze pessoas que viajaram nos primeiros onze dias de 2012. O brinde foi realizado em Hobart, capital da Tasmânia, na última noite de viagem nessa ilha espetacular. Depois do brinde, só nos restou visitar o MONA – Museum of Old and New Art e tomar o avião de volta para Sydney.

 

Mas esse é o fim da história! Vamos acionar o rewind porque há muita coisa a ser contada.

 

 

Depois do festival

1º de janeiro de 2012, cabeça pesada e ressaca… O dia amanheceu e continuamos na cama, recuperando energias após pular por uma hora e meia no show do Babylon Circus. Nosso corpo padecia, mas resolvemos abrir os olhos que teimavam em permanecer fechados e vimos um cenário bem diferente: os trailers foram embora, os carros também; os poucos que ficaram se perdiam no meio de lixo, cadeiras e barracas deixados para trás. Aproveitamos e pegamos alguns objetos que seriam úteis para o resto da viagem: lona, galões de água, uma bola, chapéus… e partimos. Nossa preguiça matinal nos beneficiou, evitando a fila de duas horas para sair do festival, segundo informações da galera da limpeza.

Wineglass Bay - nome sugestivo

Fizemos a rota no GPS e rumamos para o norte, sentido Freycinet National Park, mais de 200 km até Wineglass Bay, citada como uma das dez praias mais lindas do mundo pelo guia de viagem da Frommers. As três horas e meia de viagem mencionadas pelo aparelho se transformaram em cinco. Impossível resistir aos encantos da Tasmania Highway; paramos algumas vezes no caminho para usufruir de uma das principais vantagens de viajar de carro: a liberdade de ver, gostar e estacionar em qualquer lugar. Já eram mais de 19h quando chegamos em Coles Bay, lugar onde passaríamos a noite.

Dormimos quando o sol se pôs e acordamos antes que ele desse o ar da graça. Contemplamos o nascente, tomamos um rápido café da manhã e fomos para a tão aclamada praia. Infraestrutura de primeira, trilha muito bem sinalizada e um visual que não nos decepcionou: cenários de tirar o fôlego. Continuamos descendo e encontramos um wallabie – o primo baixinho dos cangurus. Acostumado com turistas, nosso amigo fazia charme e, sem cerimônias, pedia comida para os visitantes. Na areia confirmamos o que vimos lá de cima, realmente Wineglass Bay merecia um lugar entre as top dez. Demos mais um rolê até a praia vizinha – Hazards – e depois até o Farol de Cape Tourville,  a tempo de avistarmos focas nadando no belo Mar da Tasmânia.  A seguir: churrasco, pôr-do-sol, banho grátis no camping e cama.

No dia seguinte, madrugamos e continuamos nossa expedição rumo ao norte. St. Helens era o nosso destino, mas paramos antes no Elephant Pancake por indicação de um amigo australiano. Panquecas deliciosas, com frutas frescas colhidas nos campos próximos, mas o atendimento…

Chegamos em St. Helens com celulares sem sinal! A solução foi buscar dicas no centro local de informações turísticas. Bay of Fires foi uma preciosa indicação, eleita a praia número um pelo guia Lonely Planet (edição 2009). A cor da água lembrava as praias caribenhas, areia branca, com rochas dividindo as praias e formando diversas baías. Aprovada!

 

Tamar Ridge

 

Cidade fantasma

No dia seguinte, saímos do litoral e seguimos em direção à segunda cidade da Tasmânia, Lauceston. No caminho, planejávamos passar no Blue Lake, nos perdemos e deparamos com Derby, uma cidade em extinção. De cada cinco casas, ao menos três estavam à venda, incluindo o único correio da cidade; poucas pessoas na rua e um ar melancólico dominava o lugar. Refizemos as coordenadas e, após muito tentar, finalmente encontramos o sentido correto para o Lago Azul – a princípio um lugar com carcaças de carros, pegadas de animais e um leito de rio seco; lembrava cenas de Mad Max. Seguindo mais em frente, eis que surge o belo lago acompanhado de um pôr-do-sol que pintava o céu com tons de amarelo, vermelho, azul e lilás.

Ao som de The Doors, tentávamos chegar ao próximo destino, mas a noite trouxe consigo os animais, que cruzavam a pista incessantemente, deixando a viagem perigosa, cansativa e muito mais lenta. A melhor solução foi parar em Scottsdale para descansar e partir novamente de manhã até Lausceston, onde visitamos a reserva The Gorge – um parque apenas bonitinho, com teleférico, um lago, uma ponte suspensa e nada muito empolgante. O melhor do dia ainda estava por vir: as vinícolas no Tamar Valley. Escolhemos a Tamar Ridge, bem recomendada pelo seu Pinot Noir Reserva 2009. No entanto, fomos surpreendidos pelo desconhecido Gewurztraminer, com seu peculiar aroma de lichia, final prolongado e acidez acentuada. Após a degustação, passeamos pelas vinhas: uma paisagem diferente da que tivemos durante o trajeto pela costa leste.

 

Beleza adormecida

No dia seguinte, voltaríamos para as praias, agora no litoral norte da ilha. Antes disso, procuramos refúgio às margens do rio Tamar, em um lugar chamado Gravelly Beach. Na praia, grelhamos um delicioso salmão e tomamos os vinhos que degustamos durante a tarde. À noite, escapamos da estrada, conversamos com algumas pessoas e entendemos um pouco mais sobre esse Estado: o mais belo e o mais pobre da Austrália.

Ateliês na cidade portuária Burnie

O índice de desemprego é o mais alto dentre os oito Estados da Austrália, um lugar de salários baixos e onde as belezas locais são desprezadas; os australianos preferem viajar para o exterior. Conversei com dois mochileiros, um canadense e outro da Coreia do Sul, percebi a dificuldade que eles encontravam para conseguir emprego e prolongar a estadia por aqueles lados. Falei também com um pai apaixonado por futebol que tentava ensinar seu filho como jogar o esporte mais popular do mundo. Por coincidência, ele me falou que sua mulher trabalhava em uma agência de empregos; recebi a promessa de que ele ajudaria os dois viajantes na conquista de um trabalho.

Partimos rumo a outra grande cidade da Tasmânia, Devonport, cidade portuária ligada a Melbourne por balsa e locação de um dos três aeroportos da ilha. Esperávamos encontrar inscrições aborígenes bem conservadas, mas eram decepcionantes, quase não as notamos. A cidade é muito mais um porto de entrada, um lugar para os turistas usarem como ponto de apoio e visitarem outras cidades da região.

Uma cidade que prometia atrações diferentes era a também portuária Burnie. Fomos convencidos a conhecer oThe Makers Workshop, espaço que reúne ateliês de diversos artistas, com foco maior para a indústria do papel, produto historicamente importante para a cidade. Mas foi outra decepção! Nada muito original, ficamos mais interessados nos queijos baratíssimos que eram vendidos na Coffee Shop.

 

A número 1 e o fim do mundo

Praia em Stanley - Lençóis Maranhenses?

Seguindo a contramão do relógio, fomos para Stanley – noroeste da ilha. Dessa vez, a praia não figurava em nenhum guia famoso de viagem, mas, se eu fosse obrigado a hierarquizar os lugares por onde havíamos passado até então, Stanley estaria no topo.  Cidade histórica*, eleita a mais organizada da Austrália em 1997 pela ONG Keep Australia Beautiful.

Chegamos no final da tarde e, com o horário de verão, ainda tivemos tempo para subir no The Nut , incomum formação de rocha vulcânica que leva esse nome por ter o formato de uma porca de parafuso. Lá de cima, vimos o sol no seu caminho até o horizonte, iluminando o mar, que a essa altura lembrava os nossos Lençóis Maranhenses. Lá de cima, a impecável vila de pescadores mais parecia uma maquete. A ausência do sol, somada aos ventos gelados, abriu nosso apetite. Comemos um clássico Fish and Chips em um dos melhores bistrôs – Stanley Hotel - da Austrália, vencedor da edição 2009 do prêmio pela Australian Hotels Association, e arrematamos com crème brûlée e pavlova** de sobremesa.

Gostamos tanto do lugar que alteramos nosso planejamento e resolvemos ficar mais um dia pela região. Conhecemos o simpático Kevin, um homem de mãos calejadas e pele enrugada, sinais que faziam aparentar mais do que seus 69 anos. Enquanto tomava um cappuccino, Kevin disse que teríamos de conhecer Arthur River, apelidado de The Edge of the World (“a borda do mundo”).

Dia nublado, mar mexido, troncos gigantescos caídos entre as pedras e a certeza de que, se seguíssemos sentido oeste em um barco, navegaríamos por mais de 15 mil quilômetros até poder gritar novamente: “Terra à vista!”. Este cenário provocou um desejo de contemplação. Estávamos na borda do mundo, e ainda bem que a Terra é redonda!

Ainda no meio de viagem, mas com o poder de controlar o tempo, eu aperto o pause. Até o próximo texto e o final dessa história…

 

* sempre que falar histórica, volte no tempo apenas até o século 19.

** receita dedicada à bailarina russa Anna Pavlova. A origem do doce – e, assim, da homenagem – é atribuída aos australianos.

 

 

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Marco Estrella é fotógrafo, escritor e mochileiro dos confins.

 

Fale com ele: estrella.marco@gmail.com

E leia o blog: www.circulando.tur.br

 

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Quer ver mais das paisagens tasmanianas? Confira a galeria abaixo, sempre fotos de Marco Estrella. Clique nas fotos para ver tudo em tamanho grande.

Chegada em Coles Bay

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Coles Bay

 

Wallabie, primo do canguru

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Blue Lake

 

 

 

 

 

 

 

Mais Blue Lake

Derby, cidade à venda

 

 

 

 

 

 

 

 

Stanley, a número 1

 

 

 

 

 

 

 

 

Arthur River - "the edge of the world"

 

Mais Arthur River

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Mais Circulando:

- Festival na Tasmânia

- Movember – O mês do bigode

- Tudo junto e misturado

 

 

Seis meses se passaram a partir da minha sugestão para uma viagem coletiva – uma excursão – ao The Falls Festival, na Tasmânia. A galera topou e estávamos lá: três trailers e 11 amigos na frente do portão de entrada, inquietos para chegar ao lugar que seria nossa cidade pelos próximos três dias. E nada de exagero em chamar um lugar de cidade onde 16 mil pessoas morariam – em frente à bela Marion Bay – entre os dias 29 de dezembro e 1º de janeiro. O festival foi nossa primeira parada da road trip que planejamos ao redor da Tasmânia. Ansiosos pelo início do festival, chegamos duas horas antes dos portões abrirem. Tudo para conseguir um bom lugar para os trailers, perto dos palcos e das facilidades do acampamento.

Chegamos, posicionamos nossas “casas” e, ainda meio perdidos, fomos entender a nova realidade que estava na nossa frente. Saíram os prédios e casas, entraram em cena trailers e barracas. O lugar era lindo, o palco principal com o mar de pano de fundo, e verde para todo lado, contrastando com a colorida decoração do espaço. E carros, muitos carros chegando. Todos prontos para “desligar” por três dias e começar 2012 de um jeito novo, divertido, dançante.

 

Primeiro festival
Apesar de já ter assistido a grandes shows em lugares espetaculares, nunca havia participado de um festival, morando, dormindo, acordando e vivendo de música, e logo de cara notei que a experiência seria muito mais do que apenas sonora.

Entramos em um universo paralelo onde o padrão virou exceção. A população dessa nova e pequena cidade buscava experiências estéticas totalmente diferentes daquelas que adotam enquanto estão do lado de fora ou no mundo normal. Alguns voltaram no tempo, fazendo referências aos anos 1950 e 1960; outros se vestiram de personagens de quadrinhos, e houve quem inferisse a moda do futuro com trajes de classificação impossível. Por três dias, a moda democratizou-se e não foi ditada por Paris, Milão ou Nova York, e sim pela cabeça das pessoas.

Muitos olhos claros na plateia

A rotina também sofreu uma drástica mudança. Fogões foram substituídos por fogareiros, e o macarrão instantâneo virou prato principal. Esqueça aquele chuveiro que de tão potente mais parece uma hidromassagem; ficamos apenas com um cano com água gelada. Sanitários secos, utilizando um método de compostagem, também tiraram um pouco do conforto a que todos estavam acostumados, mas proporcionaram um caráter ecologicamente correto – nada de desperdício de água ou risco de contaminação do solo por produtos químicos. A não interferência no meio ambiente era preocupação recorrente em vários aspectos desse festival, com o reaproveitamento da água da chuva, incentivo à reciclagem e forte fiscalização nas fronteiras da “cidade”, impedindo qualquer invasão ao frágil e selvagem ambiente vizinho, uma área de proteção ambiental.

 

Estreia como fotógrafo em show

Já tinha viajado por mais de dez países tirando fotos, fiz alguns eventos, casamentos, fotografei campeonatos de surf, alguns cliques foram feitos nas clássicas quadras de Wimbledon, mas nunca um show, quanto mais um festival com mais de 50 bandas. No The Falls, eu tinha credencial de fotógrafo ou de imprensa, um passe mágico que proporcionou acesso a um lugar privilegiado, entre o palco e a plateia. Ficar a poucos metros de grandes bandas, com espaço para dançar e ouvir as caixas de som testando os limites dos ouvidos, faria desse lugar o mais caro entre todos os lugares dos shows. Não me contive: além de fotografar, eu literalmente curti estar lá. Pena que esse espaço VIP “existia” apenas durante as três primeiras músicas. Na primeira vez que vi o êxodo após a terceira música, não entendi nada, fiquei sem saber para onde ir, tentei ficar mais um pouco, até ser praticamente expulso por um dos seguranças. Um dos fotógrafos explicou que aquela era uma praxe, quase que mundial. Não podia reclamar, apenas teria que ser mais rápido, curtir menos e trabalhar mais. Nada mais justo!

 

Ser brasileiro

Assim como tantas canções e poemas que tratam sobre o exílio, devo concordar que a distância faz você valorizar ainda mais o Brasil e seu povo. Já tinha sentido isso em Londres e aqui em Sydney, lugares repletos de brasileiros, mas a remota Tasmânia só fez ampliar o orgulho de ser brasileiro. Viramos atração! Quando percebiam que éramos brasileiros, as pessoas queriam conversar e saber sobre nosso país, e estabelecer comparações com seu país de origem. Muitos nos ajudaram com dicas para o resto da nossa viagem e pediram até para tocar no meu cabelo, que é longo. Parecia um extraterrestre.

A organização do festival informou que provavelmente éramos os únicos brasileiros, algo muito difícil de acreditar – pensando que, em todos os lugares para onde fui, sempre esbarrei em um “brazuca”. Tentamos arduamente achar um conterrâneo, quando víamos bandeiras e cangas com a bandeira do Brasil, corríamos para atestar a nacionalidade, mas todas as buscas foram em vão – não achamos nenhum outro representante e, sem dramas, honraríamos nossas cores.

 

Som na caixa – quebra tudo!

 

Primeiro dia – 29/12/2011

Durante seis meses, tentamos conhecer o maior número possível de bandas para planejar nossa maratona de shows. As atrações foram divididas em dois palcos: The Valley, o maior, e o The Field, o palco mais intimista, além da Village, onde aconteciam atividades com artistas de várias linhas, caminhos, etc.

O primeiro dia foi de reconhecimento. Nada de bandas, apenas DJs dando o tom para performances das mais variadas. A melhor discotecagem do dia ficou a cargo de Mohair Slim, disparando uma mistura de R&B, soul, ska e reggae, que levantou os recém-chegados. Dançamos freneticamente e tivemos a grata surpresa de assistir Anna Lumb, dançarina que acelerou a galera com seus movimentos circenses, hipnotizando a todos em uma performance com bambolês.

Wacko e Blotto - show no trailer

Devidamente aquecidos, partimos para a Village, uma tenta de circo, com uma pegada intencionalmente caótica: muitas luzes, cores e sons. Chegamos a tempo de ver Taiko Drummers, espetáculo de percussão japonesa que deixou todos boquiabertos com os gritos de guerras entre o som dos tambores (taiko significa tambor em japonês). Encerramos a noite assistindo aos estranhos Wacko e Blotto, um show performático realizado em um trailer. A dupla fez uma crítica ácida ao rumo do humor atual, com brincadeiras para chocar o público. Após quinze minutos, estávamos saturados do humor politicamente incorreto da dupla, e fomos descansar após o primeiro dia de apresentações musicais.

 

 

 

Segundo dia – 30/12/2011

O primeiro show na nossa lista era do guitarrista J. Mascis, que entraria no The Field às 13h, mas como dormir até tarde no trailer – em um festival – é impossível, aproveitamos a manhã ensolarada e fomos para a praia, ou melhor, para a parte onde podíamos frequentar. A areia da Marion Bay é um dos locais escolhidos pelos shorebirds* para fazer seus ninhos, limitando o espaço dos visitantes. Desta forma, o risco de alguém pisar em ovos era reduzido. Uma hora de praia, e seguimos para assistir ao guitarrrista que figura na lista dos 100 melhores do mundo pela revista Rolling Stone. Ouvimos a apresentação de seu mais recente álbum solo, “Several Shades of Why”, som acústico levado apenas por guitarra e voz. Bom aquecimento!

Em seguida, correria rumo ao show da neozelandesa Kimbra, no palco principal, considerada uma das promessas da música pop local. Dona de uma voz potente com uma levada soul e uma energia no palco que levantou o público.

Mudamos de palco novamente, e a próxima parada foi com os franceses do Nouvelle Vague, banda que toca versões de grandes sucessos, alterando ritmos e arranjos, e usando muito da nossa bossa nova como base. Show gostoso de ouvir e dançar, mas nem tivemos tempo para relaxar, e seguimos novamente para o The Valley, para assistir Aloe Blacc, representante do hip hop americano, com influências de soul. Na verdade um show com levada mais funk e uma das boas surpresas do festival.

Artic Monkeys: faltou tesão

Um dia inteiro com atrações energéticas e, ufa!, sentamos no gramado por duas horas para aguardar um dos shows mais esperados de todo o festival: os ingleses do Arctic Monkeys, banda que, com seu primeiro álbum, “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”, ultrapassou o grupo Oasis como o álbum de estreia mais vendido no Reino Unido. Na primeira semana do lançamento, o Artic Monkeys faturou 360 mil cópias e ultrapassou a soma de todos os outros Top 20. O público delirou quando a banda entrou no palco, e foi isso. Essa energia toda da entrada não se sustentou ao longo do show: grandes intervalos entre as músicas, uma certa postura arrogante e blasé fizeram deles a grande decepção do The Falls. Para não fugir do clichê, o melhor estava reservado para o final…

 

Terceiro dia – 31/12/2011

O festival realmente veio em uma crescente: primeiro dia para aquecimento, segundo com bandas boas e uma decepção, e o terceiro…

Nosso dia começou devagar, como se estivéssemos nos poupando para a festa da virada, e a agenda do festival contribuiu. O primeiro show que queríamos assistir aconteceria às 14h – a Banda Beirut – e aproveitamos a pequena distância com o palco principal para curtir o show sentados na frente do nosso trailer, só relaxando! Som gostoso de ouvir, e a opção de escutar o show deitado na grama foi perfeita. Em seguida, os representantes brazucas do CSS (Cansei de Ser Sexy) tocariam no palco principal. Naturalmente fomos prestigiar os compatriotas, e a plateia esvaziada não foi obstáculo para eles demostrarem o que têm de melhor: animação. Mas infelizmente não deram a mínima para a única bandeira do Brasil, que balançávamos incansavelmente.

Cansei de Ser Sexy: É Brasil!...

Corremos para o show do Easy Star All Stars, que estranhamente se apresentou no palco menor. Mas houve um lado positivo: vimos um dos melhores shows do festival como plateia VIP. A releitura do clássico álbum “Dark Side of the Moon”, do Pink Floyd, com uma batida dub, fez o palco Field ficar pequeno para tamanha empolgação do público. Gostamos tanto do show que aproveitamos da pegada mais relax que rolava no palco menor e fizemos o que qualquer membro de fã-clube faria: não demos trégua aos seguranças até conseguir uma foto com os Easys. Os caras tocaram um som de primeira e, além de tudo, eram muito simpáticos.

Com o cronograma apertado, seguimos mais uma vez para o palco principal, dessa vez para ver Fleet Foxes com seu som indie folk.

Todas as vezes que entrei na área de imprensa ou espaço reservado aos fotógrafos, eu me senti meio diferente dos caras: estava quase sempre sem camisa, dançava, dava beijos na minha namorada que também fotografava, isso sem falar no meu tipo físico: cara de índio contrastando com a pele clara e os olhos claros dos outros companheiros de profissão. E especialmente no show do grupo que mais ouvi nos últimos seis meses – John Butler Trio – virei um membro da plateia, as três primeiras músicas passaram voando e, quando olhei, praticamente não tinha tirado fotos. Show mais do que especial: assistir ao virtuoso John Butler tocando seu violão de 12 cordas foi o espetáculo que grande parte de nós sempre quis para celebrar o Ano-Novo.

 

Um fim que é também começo

Babylon Circus - o melhor tinha ficado para o final

Após a epifania, vimos a contagem regressiva ser conduzida por súditos da Rainha – The Kooks – após um recesso de três anos dos palcos. Os caras esqueceram o indie que os credenciava e voltaram impregnados de pop. Resultado: fizeram a alegria dos tens; ficamos meio bravos no começo, mas celebramos junto com os garotos a chegada de 2012!

Estávamos quase lamentando o final do festival quando resolvemos passar pela tenda de circo, na Village, e esperar a apresentação do Babylon Circus. E enfim a conclusão perfeita para começar 2012: os franceses que integram essa banda misturaram ska, punk e reggae com influências de música balcã e uma pitada de jazz, e assim incendiaram a pequena plateia com uma apresentação incrível, de lavar a alma – e lavamos mesmo com o suor que escorria pelo corpo de todos que assistiam ao show.

Depois do festival, os 11 amigos seguiram por mais 11 dias rodando 2 mil quilômetros pela Tasmânia – a ilha que ficou conhecida mundialmente por um personagem de cartoon. E valeram os seis meses de planejamento, muita vontade, alegria e amizade para começar 2012 com baterias recarregadas e todos prontos para uma nova aventura.

 

*As aves marinhas tão presentes na cena australiana.

 

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Marco Estrella é fotógrafo que se mistura com a plateia dos melhores shows, escritor e demônio da Tasmânia.

 

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Seleção brasileira com o pessoal do Easy Star All Stars

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Mais Circulando:

- Movember – O mês do bigode

- Tudo junto e misturado

Alexandre Fofão, à direita, e seu bigodón

Texto e fotos: Marco Estrella

 

Após escapar dos ares corporativos, livre da necessidade de manter as madeixas cortadas e a barba feita – já que não frequento mais o padronizado ambiente dos escritórios –, experimento as liberdades “cabelistas” desde que cheguei à Austrália, e a rebeldia da barba por fazer, além da economia de não precisar cortar o cabelo.

Logo no primeiro mês aqui experimentei, pela primeira vez, a sensação de ficar apenas de bigode. Devo confessar, o resultado foi muito aquém do aceitável – falando em português claro, ficou “zuado” demais. No entanto, me avisaram que, durante o mês de novembro, a vítima de tanto sarro ainda seria motivo de orgulho.

Setembro de 2011, sete meses após a primeira e frustrante experiência, só pensava no prometido renascimento do meu bigode. Ele estava ali – mimetizado – no ponto central da minha barba que crescia livremente.

Primeiro de novembro: tirei a barba, deixei apenas o personagem principal do mês e comecei “Movember” com um belo Mo (apelido em inglês carinhoso para o bigode, abreviação de moustache).

Mas o que é o Movember? Continue a ler para descobrir…

Saí de casa crente que encontraria todos os homens de bigodes, mas, para minha surpresa, só encontrei barbas feitas e caras lisinhas. Tal e qual um guerreiro solitário, um defensor ocasional, pensei: “A brincadeira já não está mais na moda. A onda retrô do cultivo ao bigode terá passado?”.

Mesmo lamentando a falta de espirito esportivo dos australianos, eu estava orgulhoso; todos comentavam sobre o meu bigode, impressionados com o tamanho e consistência. Após uma semana, e ainda sem entender a o certo por que todos decidiram não “brincar” bem no ano em que estou por aqui, resolvi pedir ajuda ao oráculo Google sobre o tal Movember, para entender um pouco mais do que se trata.

 

Como nos anos 70

Freddie Mercurys do bem

Achei a página oficial dos bigodudos. Descobri que Movember não é apenas um trocadilho com as palavras Moustache e November; os bigodes tinham funções claras e específicas: chamar atenção para a necessidade do homem ser mais cuidadoso e atento com a sua saúde, e arrecadar fundos para associações que tratam principalmente do câncer de próstata e depressão. Além disso, entendi que existia um processo a ser seguido: fazer a barba no dia primeiro, cultivar o querido “Mo” pelo mês inteiro e, no final do mês, celebrar junto com os Mo Bros e Mo Sistas em festas de gala espalhadas pelo mundo.

O movimento incentiva a produção de vídeos, fotos, arte e qualquer outro meio que cite a questão da necessidade de abandonarmos valores machistas e retrógrados e começarmos a cuidar da nossa saúde, entendendo sintomas, consequências e formas de tratamento para algumas das doenças que mais acometem os homens. Apesar de ser algo relativamente novo, a primeira edição do Movember foi em 2003, contando com apenas 30 bigodudos. E continua em 2011, com um crescimento exponencial tanto no número de participantes como no dinheiro arrecadado. 

Este poderia cantar no Motorhead

Imponente!

Resumo da ópera: Queimei a largada, mas nada de desqualificação ou punição por isso. O que mais importava era o manter o bigode e levantar grana.

Fiquei feliz quando comecei a ver os tais pêlos faciais entre o nariz e o lábio inferior sendo protagonistas nas ruas, nos cafés; uns inspirados em Dali, outros em Chaplin, passando pelos bigodes daqueles em que a barba começa a surgir, e chegando aos bigodes clássicos dos encanadores Mario e Luigi.

Meu bigode deixou de ser chacota e ganhou respeito. Um bigode imponente! Fui parado algumas vezes na rua para receber elogios sobre o querido companheiro e cheguei a ganhar dinheiro como garoto propaganda da campanha – infelizmente não o suficiente para garantir minha entrada na festa de gala do dia 30 de novembro (celebrações em todas as cidades participantes, que encerram a temporada com todos os Mo Bros e Mo Sistas que arrecadaram mais de AU$ 100), mas fiquei satisfeito com a performance no meu primeiro Movember.

Soa como algo belo e altruísta, e de fato é, mas confesso que, no dia 30 de novembro, com um bigode cuidadosamente cultivado durante dois meses, não via a hora de cortar, não aguentava mais ver o meu bigode tingido pelas cores dos alimentos ingeridos, não suportava mais senti-lo querendo dominar meus lábios – além da minha mulher já estar louca de saudade de me beijar sem sentir a paixão que meu  bigode tinha pela sua boca.

Cara lisa, de bem com a vida, mas esperando o próximo novembro em nome de uma boa causa!

 

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Marco Estrella é fotógrafo, escritor, amigo de muitos amigos e, de vez em quando, dono de um senhor bigode.

 

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*O Movember foi lançado em 2003 na Austrália com apenas 30 participantes. Em 2004, a ideia inicial evoluiu e gerou a criação do The Movember Group (responsável pelo gerenciamento do projeto). No ano de 2005, a campanha ultrapassou a barreira do milhão de dólares arrecadado. E, em 2006, recebeu a chancela do governo australiano para filantropia, chegando à Nova Zelândia. Canadá, Espanha, Reino Unido e EUA aderiram à campanha em 2007. Um ano mais tarde, já eram mais de 170 mil participantes arrecadando quase AU$ 30 milhões, e a Irlanda também entrando na campanha dos bigodes. Em 2009, entraram para o Movember: a República Tcheca, a Finlândia, a Holanda e a África do Sul. Em 2010, foram arrecadados mais de AU$ 70 milhões e, com mais de 400 milhões de Mo Bros e Mo Sistas cadastrados . Apesar do relatório oficial dessa temporada ainda não ter sido divulgado, sabe-se que essa foi a melhor campanha de todos os tempos, com mais de 850 mil bigodudos(as).

As doações são repassadas às instituições e fundações ligadas ao tratamento do câncer, apoio aos pacientes e a pesquisas.

 

Para participar é simples:

Cadastre-se no site – http://au.movember.com/

Conecte-se com seus amigos e amigas, criando grupos.

No dia primeiro de novembro, os homens fazem a barba e deixam o bigode crescer, demonstrando sua preocupação com a saúde masculina.

Os participantes arrecadam dinheiro das pessoas e empresas que podem abater os valores doados em impostos.

 

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Mais Circulando:

- Tudo junto e misturado

 

Luna Park, Sydney, Austrália

Texto e fotos: Marco Estrella

 

Fugir do óbvio? Impossível neste caso. Para começar tenho a difícil tarefa de falar sobre mim, me apresentar e delimitar as trilhas ilimitadas dos meus textos. Só me resta respirar fundo e mãos à obra…

Sou economista formado pela Universidade Mackenzie, e não tinha o que reclamar da minha carreira quando resolvi largar tudo para conhecer o mundo e promover uma “distância insegura” da rotina – hábitos me impediam de analisar o rumo que minha vida tomava. Acordei tarde para descobrir uma nova carreira: a de fotógrafo; e por sincronicidade, acaso ou destino, surgiu a oportunidade de contar estas experiências em uma série do Jornal Hoje, chamada “Intercâmbio.com”, na TV Globo. Essa mudança me fez descobrir o que eu queria desta vida: ser uma fusão de fotógrafo, jornalista, blogueiro e artista – “tudo junto e misturado”.

O mais irônico disso tudo é que a primeira faculdade que frequentei foi a de Jornalismo. Uma viagem veloz de dois meses antes de ser contaminado pela vontade de sair por aí conhecendo cidades e países: fui em direção à ilha da magia, Florianópolis, para fazer História. Três anos de faculdade e percebi que não seria um bom professor, faltava didática e transbordava parcialidade, além da ausência de motivação pelos péssimos salários dos professores no Brasil.

Voltei para São Paulo, enfrentei um novo vestibular, concluí a faculdade de Economia e me entreguei ao capital; mas o desejo de viajar permaneceu como um vírus, uma doença tropical que nunca mais vai sair de mim, circulando dia e noite em meu sangue. Assim troquei o escritório com vista para o rio Pinheiros em São Paulo por vistas mais amplas. Parti para minha primeira temporada fora das fronteiras tupiniquins: seis meses em Londres, mochilão por sete países, 14 cidades e agora “Austrália – Sydney”; e é só o começo. Quero outras temporadas em diversos pontos, cidades, regiões deste planeta.

Tudo junto e misturado mesmo, a ideia desta coluna é escrever sobre as experiências de viver mundo afora, destacando

Greenwich Park, Londres

características dos lugares que passo, contando histórias interessantes, com pinceladas de cultura local, aspectos do cotidiano, enfatizando similaridades e diferenças com o Brasil. Uma maneira mais leve, sonhadora e gentil de ver a vida: uma espécie de diário de bordo, com as fotografias servindo para congelar instantes felizes, marcar definitivamente momentos tristes e validar histórias.

 

Circulando pelo mundo.

 

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Marco Estrella é fotógrafo, escritor, amigo de muitos amigos e vai passar o Réveillon na Tasmânia.

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