Ano VII


Texto: Alexandre Carvalho dos Santos

 

“O bom poeta – no caso, o poeta bop espontâneo – está sempre ligado nos idiomatismos de seu tempo – o balanço, o compasso, o ritmo metafórico disjuntivo que vem tão depressa, tão furioso, tão embolado, tão incrivelmente ainda que deliciosamente louco que, quando transportado para o papel, ninguém o reconhece.”
Henry Miller, sobre Jack Kerouac no prefácio de Os Subterrâneos

Mesmo antes de ouvir meu primeiro fraseado de John Coltrane, o vírus do jazz ressoava seus acordes no meu consciente inconsciente por meio de páginas viradas em ritmo frenético, na viagem acelerada que é On The Road, de Jack Kerouac, o rei dos beatniks, o homem que fez milhares de jovens saírem das casas dos pais com mochilas nas costas, apontando o dedo na estrada para um futuro em que a única certeza era a liberdade. Fã alucinado de Charlie Parker e outros furacões em formação dos anos 40, Jack escreveu sua obra-prima no ritmo disparado do melhor be-bop, com longos parágrafos quase sem pontuação, transformando-os em solos suados de saxofone, dando a seus leitores a impressão de que tocava as teclas da máquina de escrever enquanto o pé esquerdo acionava freneticamente um chimbal de bateria.

E era nos bares de jazz que seus protagonistas, Sal Paradise e Dean Moriarty, tinham suas apoteoses, como fiéis em transe num templo abençoado e povoado por santos negros, drogados, e seus metais celestes dos quais tiravam o ritmo que Sal e Dean queriam impor a suas vidas, cruzando a rota 66 e o México em louca disparada por quilômetros intermináveis e repletos de esperança.

Já em Os Subterrâneos Jack levou sua experiência de saxofonista da escrita ao extremo, em páginas e páginas inteiras de poucas vírgulas, quase nenhum ponto, repletas de referências ao estilo musical que amava: “… nós dois juntinhos, cantando loucos estribilhos de jazz e bop, às vezes eu levava a melodia e ela fazia uns acordes interessantes modernos e avançados (que eu nunca tinha ouvido igual em lugar nenhum e que lembravam Bartók, acordes modernos, mas tinham tudo a ver com bop)”, e por aí seguia, às vezes mais para o be-bop de Miles Davis, às vezes em sequências tão desenfreadas e movimentadas de palavras que você se sente ouvindo o free jazz de Ornette Coleman.

Jack Kerouac foi um anjo de uma literatura repleta de entusiasmo vibrante e inovação, e a harpa que tocava ao lado de poetas abençoados como Allen Ginsberg e William Burroughs berrava jazz nos ouvidos medrosos da América conservadora.

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Ainda sobre On The Road, o clássico ganhou versão para iPad (em inglês), cheia de agradinhos tecnológicos, como um mapa interativo com as viagens descritas e registros em áudio de Jack, lendo a própria obra.

 

Mas eu não me desfaço da minha edição velhinha da Brasiliense por nada neste mundo.

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