Ano VII


TEXTO E FOTOS: Alexandre Carvalho dos Santos

 

Reclamar de calor é coisa de gordo? Eu achava que sim, mas não é – pelo menos se você mora em São Paulo. Aqui, não dá para gostar dessa sauna 24 horas que vai do solstício de dezembro ao equinócio de março.

Antes eu só pensava nisso quando a sauna se impunha, inclemente; no mais, ficava doido esperando o verão. Mas por quê? Verão em São Paulo não tem nada de bom.

“Aqui é trabalho”, como diria o Muricy. E trabalho, na maioria das vezes, quer dizer roupas formais, deslocamentos torturantes, locais fechados. Então sua mente tem de inventar um jeito de achar tranquilo vestir calça comprida e paletó quando o termômetro da Paulista aponta 34 graus. No dia em que o personagem do Camus matou o árabe, fazia um sol desses, de destrambelhar existencialista.

E há o trânsito. Ah, o trânsito… Você parado por minutos que parecem dias ao lado de um motor de ônibus, de um escapamento de moto, e também sob o sol do meio-dia. No ônibus é pior, há o calor dos passageiros se combinando ao vencimento do desodorante, suores melando assentos, e um desgraçado qualquer ouvindo Paula Fernandes no celular.

Até aqui, falei de dias de sol, mas não é assim o verão em São Paulo. O verão aqui, quase todo, é de chuva. E aí piora a coisa.

Se chove, não dá para deixar o vidro do carro aberto. Para não morrer cozido, só apelando ao ar-condicionado, no talo – e adeus gasolina. Se chove, não dá para tomar a cervejinha na calçada – tem de ser dentro do boteco, procurando a corrente de ar do único ventilador disponível. Se chove, o metrô para, e você está lá dentro, prisioneiro de um túnel, inspirando a sudação alheia.

E chove sempre…

Então me peguei, esses dias, pensando no que me levava a ter essa imagem colorida do verão. A estação é boa para quem está na praia, com o pé na piscina ou diante de uma bebidinha gelada, num bar ventilado, sem pressa. A exceção do nosso tempo, portanto. Mesmo assim, vai chegando setembro, outubro, e você pensa: oba!, logo é verão.

Aí pensei o seguinte: todo esse gosto pela temporada é uma nostalgia que temos da nossa infância e adolescência. Porque naquela época fazia todo o sentido gostar de calor, de sol e até das tempestades. Passávamos grande parte dos dias de shorts ou bermudas, ao ar livre, no que hoje gostam de chamar de “atividades outdoor”. Eu adorava ficar “outdoor”, mesmo quando não sabia o que queria dizer. Era jogando futebol, pedalando, correndo, fazendo guerra de mamona, tomando banho de esguicho ou de chuva mesmo. Quase esqueci como era um prazer pré-adolescente estar na chuva, sem medo dela; como uma bala Soft, um gosto que se deixa para trás, na meninice.

Essas lembranças de uma época sem responsabilidades vêm coloridas pelo sol. A vida então era de um equilíbrio muito maior entre as temperaturas. Esquentava, íamos à padaria atrás de um picolé, tomávamos água da torneira de um vizinho, mudávamos o papo para debaixo de uma árvore.

Não é mais assim, agora é um inferno, mas nossa cabeça ainda não aprendeu que tudo aquilo deixou de ser bom.

 

* * *

Por que São Paulo ainda vale o seu sofrimento?

Pelos parques, onde você pode fingir que é menino de novo e ficar sem camisa, caminhando sob a sombra das árvores. Meu preferido é o do Ibirapuera, mas gostei muito do Villa-Lobos, que tem boas áreas para piquenique. Só precisam colocar umas árvores na entrada do parque, pois você tem de andar bastante sob um sol do Atacama até chegar à primeira sombra.

 

Donde?

Parque do Ibirapuera – Av. Pedro Álvares Cabral, s/n. Moema.

Parque Villa-Lobos – Av. Professor Fonseca Rodrigues, 2001. Alto dos Pinheiros.

 

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Alexandre Carvalho dos Santos é jornalista e crítico de cinema, já morou no Parque Continental, na Vila Gumercindo, em Moema e na República, e quer mudar de novo.

Fale com ele: acarvalho2802@gmail.com

Texto: Alexandre Carvalho dos Santos

 

Tem um tempinho já, um raro prazer de viajar mais de uma hora para o batente era ler no ônibus. Outro era ter uns tantos minutos a sós com seus próprios pensamentos. Até lamentava quando um colega subia na mesma linha; a boa educação mandava inventar um assunto, trocar trivialidades, falar sobre os times de ambos… enfim, fechar o livro, parar a reflexão.

Entre as idas e vindas do centro ao Jaraguá, li as 509 páginas de Contos Norte-Americanos – Os Clássicos, compilação feita por Vinícius de Moraes – cada conto traduzido por gente do naipe de Rubem Braga, Monteiro Lobato, Décio de Almeida Prado, João Cabral de Melo Neto. Os contistas? Mark Twain, William Saroyan, John dos Passos, Fitzgerald, Poe, Faulkner… Entrou fácil para a prateleira de melhores leituras de uma vida.

Então no ônibus eu tinha o cuidado de nunca começar um novo conto se o ponto de descida fosse chegar antes do fim. Foi assim também com os capítulos de Hamlet – Poema Ilimitado, do crítico Harold Bloom, que, como define o New York Times, fala da importância de Shakespeare para a nossa ideia de quem somos. Assino embaixo.

Com Mrs. Dalloway, a aflição foi maior, porque o romance moderno de Virginia Woolf (tradução luxuosa de Mário Quintana) não tem divisões. Era torcer para não estar no meio de um fluxo de sentimentos e contradições de sua protagonista. E eles estão em toda parte. Como o livro é pequeno, porém, a aflição não deve ter sido muita… não lembro bem.

*

Mas tais prazeres, assim como o bonde e a cartola, já estão nos verdes campos da nostalgia. Não sei se é assim em outras cidades, mas em São Paulo não dá mais para ler no ônibus. A não ser que você vá armado com protetores auriculares dos mais eficientes. O aviso sobre a proibição do uso de aparelhos sonoros parece que nem está ali, e é um tal de funk carioca, pagode mela-cueca, sertanejo de manga justinha… – não, ninguém ouve Chet Baker no coletivo. E o cobrador, que quer mais é que o dia passe rápido, nunca faz a lei valer. Pode ser que até goste do barulho que se sobrepõe às buzinas e aos escapamentos. Talvez nem seja responsabilidade dele, não pesquisei.

No começo, achei que dava azar, que o meu horário (sete e pouco da manhã) pudesse ser escolha comum entre os inimigos da paz alheia. Aos poucos, percebi que o desrespeito é, pelo menos, municipal. E não tem hora.

Antes não era assim. Provavelmente tem a ver com a recente facilidade de acesso aos aparelhos portáteis multiuso, que ainda chamamos de celulares. O fato é que, apesar dos mais inteligentes sempre defenderem o uso do transporte coletivo em detrimento do individual, suspeito que a maioria fale sem conhecimento de causa. Passar uma hora em pé, num ônibus lotado, ao som de 38 hits da Cláudia Leite, pode ser a suprema experiência antropológica para os politicamente corretos – que andam se multiplicando como coelhos satânicos por aqui. Mas duvido que a viagem dê a mesma satisfação a quem é obrigado a encará-la todos os dias – ida e volta. Quase sempre combinando o desconforto físico à tortura mental.

Aí reclamam que a cidade tem muito carro.

 

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Por que São Paulo ainda vale o seu sofrimento…

Por causa do Giramondo Caffé, perto da República, lugar de cafés ótimos e criativos. Isso, me dizem, porque não tomo café. Mas lá tem o melhor chocolate quente, que está mais para um creme que para uma bebida – tanto que os atendentes gente fina te dão uma colherinha para melhor aproveitar o doce. E tem também pães na chapa com coberturas de frios. E tem um bolo de pistache com limão de arruinar qualquer esforço de última hora por um 2012 mais esguio.

Donde? Rua Marconi, 19, esquina com a 7 de Abril.

 

Alexandre Carvalho dos Santos é jornalista e crítico de cinema, já morou no Parque Continental, na Vila Gumercindo, em Moema e na República, e quer mudar de novo.

Fale com ele: acarvalho2802@gmail.com

 

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