Ano VII


Alguém precisa de um novo Sgt. Pepper’s?

Por Claudio Szynkier

O clássico dos clássicos dos Beatles, o disco que introduziu de maneira irrevogável a psicodelia e a experimentação de estúdio na história da música pop, tem, em si, uma história rica. Na verdade, ok, a história de Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band é tão rica quanto a de qualquer outro álbum que o fab 4 fez a partir de, talvez, For Sale. Mas é uma história que já coube em alguns livros inclusive, e que tem seus momentos altos tanto nas inovações e nas escolhas do quarteto (+ o produtor George Martin) quanto na escrita particular de cada canção.

O que não muitos sabem é que inicialmente o disco seria uma homenagem à natal e nortista Liverpool – uma cidade portuária muito fria, unida em latitude à costa polar da América (Labrador, no Canadá), culturalmente peculiar e de certa maneira cindida do resto da Inglaterra, embora carregando a marca nacional da mistura de classe conservadora oriunda da aristocracia com individualismo libertador. Um lugar em que se encontariam todo tipo de almas solitárias, desgraçadas e perdidas, velhinhas puritanas, veteranos de guerra e arruaceiros que ainda assim poderiam anestesiar a vida nebulosa um senso de humor fantasticamente ofensivo. O disco assim deveria ter um nome evocativo e direto mais próximo da editora de músicas dos Beatles à época (Northern Songs) do que da onda de nomes sobrepostos da psicodelia, e deveria zelar por constituir um enredo saudosista, retroativo, de impressões e reminiscências colhidas da infância (mas com atitude ousada e “para frente” em arranjos e composições) dos integrantes.

As duas primeiras músicas concebidas nesse sentido, no fim de 1966, logo após os últimos shows do quarteto, foram “Strawberry Fields Forever” (evocando uma espécie de feira de verão, numa espécie de parque, sediada no bairro de John nos anos 40) e “Penny Lane” (uma das vias principais de Liverpool), que a EMI “raptou” para acalmar o grito de nervosa expectativa em relação a um novo single dos Bealtes nas primeiras semanas de 67… O “roubo” por parte da EMI (quem procurar sobre o assunto encontrará sombras de arrependimento em entrevistas da banda por ter consentido que isso acontecesse – muito porque naquele momento os Beatles dominavam muito mais a EMI ou qualquer outro ente da indústria do que o contrário) gerou um single de lado A duplo e fez com que a banda recusasse; mudando, assim, o plano inicial, embora não deixando de salpicar em cada letra e arranjo da fase de produção de Sgt Pepper’s um profundo sabor de saudosismo e solidão típica dos que vivem sob reminiscências.

Paul veio então com a ideia do sargento, uma “ópera” de rock e orquestrações inovadoras, interpretada por personagens (os próprios Beatles) de vestimentas eduardianas e esse sentido geral de solidão percorrendo e amarrando cada música, para além de suas propriedades complementares em termos sonoros. John costumava dizer que “não havia conceito algum naquilo, mas havia porque os Beatles disseram que havia”… O que não deixa de ser verdade e mentira simultaneamente.

Às vezes fico pensando o que teria acontecido se Paul (naquele momento líder do conjunto) tivesse batido o pé não permitido que a EMI soltasse duas das maiores canções do século XX prematuramente – o mais charmoso e diplomático beatle poderia ter negociado, correndo para o estúdio para produzir outras duas músicas que serviriam para o empreendimento da gravadora. Fico pensando também se muitas das músicas mais diretas do disco, das quais gosto muito, existiriam se isso tivesse ocorrido: Paul teve de correr dobrado, pois o álbum tinha uma data de lançamento marcada (meio do ano) e a banda se viu desfalcada de duas canções-chave. Começaram a escrever sem parar, em velocidade multiplicada. “Fixing a Hole” e “Good Morning” são dois exemplos de músicas feitas a toque de caixa. O disco seria tão bom como é sem essa pressa? Seria melhor?

Fico pensando se Paul e George Martin tivessem sido mais inspirados naquele momento quanto ao julgamento da inspiração de George Harrison. Paul colocou uma das melhores linhas de baixo dos anos 60 em uma canção de George, justamente “It’s Only a Northern Song”, vetada depois pelo duo curador, em favor de “Within Without You”, que na minha opinião valia como uma exploração de George pelas montanhas de cítara da Índia, mas destoava do resto. “It’s Only a Northern Song”, preterida sem aviso a George e meio na hora H, é para mim o talvez o melhor rock beatle daquela fase pré-White Album, a melhor coisa que surgiu da união entre os sons místicos e aéreos e a formação “clássica” de banda de rock. É uma canção que jamais estaria de fora, e pelo contrário, lideraria, um álbum de qualquer banda gigante musicalmente do período como The Byrds, The Zombies The Hollies, The Kinks, até do White Noise.

De qualquer forma, com aquilo que sabemos que existe, e não com o que poderia existir (músicas dos Beatles criadas sem a pressão, e a partir da presença no disco do duplo lado A lançado meses antes), quero arvorar-me a lançar (desculpem a pretensão) um “concerto”, uma reparação, de Pepper 45 anos depois. Para mim, um dos maiores discos da história poderia, na verdade, ser assim:

Sem a autorização de Paul, a EMI ficaria com o pegajoso single “When I’m Sixty Four”, peça àquela altura, no fim de 1966, já composta e em estágio de produção; e a nova invenção indiana de George, “Within Without You”.

E Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, o álbum, ficaria então com:

lado a:

lado b:

Na verdade, com um disco assim, eu me perguntaria: a história da música resistiria? Não ficaria meio que concluída aí?

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As fusões sonoras do Return to Forever, por Bento Araújo

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